Neste conteúdo, uma entrevista com ÁLVARO VIEIRA, policial penal, sobre o tema da dissertação em que ele analisa os aspectos da "ética" na qual o PCC se fundamenta para a construção de sua retórica e disciplina.
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ANFITRIÃO 0:15
Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião!
Desde os primórdios, em cenário de guerra, estrategistas ensinam que conhecer o inimigo é fator obrigatório e fundamental para neutralizá-lo. No conteúdo de hoje, recebo Álvaro Vieira, autor da dissertação para o Mestrado em Linguística "O certo pelo certo: Análise Retórica da Constituição Ética do Primeiro Comando da Capital", uma pesquisa inovadora que nos traz uma perspectiva aprofundada sobre os mecanismos usados pela organização criminosa para a construção de sua retórica e legitimação internas.
Com a minha grata saudação, Álvaro, apresento-lhe as boas-vindas e, antes de responder o que te motivou a definir o tema "O certo pelo certo" para sua dissertação, conte-nos um pouco sobre sua jornada profissional:
CONVIDADO 1:31
Ouvintes do Hextramuros, agradeço imensamente a oportunidade em poder falar, brevemente, sobre nossa pesquisa. Meu nome é Álvaro Vieira. Estou cursando o programa de doutorado em Linguística, sendo beneficiado com o fomento da CAPES. Recentemente concluimos o Mestrado em Linguística, oportunidade em que desenvolvemos a pesquisa que iremos expor em nossa conversa. Somos, ainda, Especialista em Inteligência, Gestão da Informação e Estratégia, Especialista em Inteligência Policial e Especialista em Gestão Pública. Sou policial penal do Estado de Minas Gerais há quase 15 anos e, atualmente, estou lotado na Superintendência de Informação e Inteligência do Departamento Penitenciário de Minas Gerais e à disposição do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado.
Quanto à escolha da expressão cunhada "O Certo pelo Certo", que é o nosso título: "O CERTO PELO CERTO: ANÁLISE RETÓRICA DA CONSTITUIÇÃO ÉTICA DO PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL", o motivo da utilização do jargão é relativamente simples: trata-se de um jargão utilizado pelo Primeiro Comando da Capital, entre os indivíduos chamados de integrantes, bem como nas comunidades de inserção. Então, não sistematizam um certo poder que é investido a alguém mas, sim, percorre os interesses da organização criminosa e que, eventualmente, perpassam pelo viés ideológico. Aquilo que se orienta pelo certo "o crime pelo crime". Isto é, verifica-se com isto uma certa metodologia interna compreendida e que indica uma relação de valor e que é justamente assentada pela emissão de expedientes argumentativos. Isso parece a inauguração de uma ética? Pergunto aos senhores! Bom, isso parece "virtude"? E que expediente é este que apresenta razoáveis argumentos, como se fosse uma norma, uma lei? Em nosso estudo, tratou-se do Estatuto do PCC, o nosso objeto de investigação, a priori, de onde tudo vem e para onde tudo vai, ou seja, o certo pelo certo. Então, para ilustrar aquilo que estamos dizendo epistemologicamente, veremos que se trata de uma figura da presença do tipo recurso de repetição proposto pela Nova Retórica. É só um de vários exemplos que estamos apresentando aqui. A Nova Retórica é uma teoria de base aristotélica, proposta por Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, encontrado na obra "Tratado da Argumentação", de mil novecentos e cinquenta e oito, cuja tônica da argumentação considera aquilo que é verossímil, ou seja, uma aparente lógica, o que tem aparência de verdade, o que é provável. Dr. Clark e ouvintes do Hextramuros, principalmente analistas de inteligência; na aludida teoria, os argumentos serviam-se de instrumentos circunstanciais para tomada de decisão. Logo, pergunto: isso lhes parece familiar? Parece com o cotidiano de vocês, com as situações com as quais se deparam? Se não, vejamos: se, por um lado, a retórica clássica preocupava-se com a emissão de melhores argumentos para persuadir um determinado auditório através de três instâncias, a saber; a instância do orador que é o "ethos", a do auditório, que é o "pathos" e a do discurso, o "logos", já, a Nova Retórica, considera outras formas e discursos contemporâneos. E tudo isso, também, visando a persuasão. Bem, então, se é Nova Tetórica, o novo vem de reexame, cujo objetivo para aperfeiçoá-la, se considerarmos que havia naquele momento, nos anos cinquenta, um certo desinteresse pela Retórica, a sociedade precisava ser inserida no diálogo. Mas, Dr. Clark, o senhor nos perguntou acerca das motivações da pesquisa e penso que é salutar comentá-las. Costumo brincar que são frutos de uma árvore plantada em âmbito profissional. As observações, as inquietações, as perguntas não respondidas e que acharam guarida no terreno da pesquisa acadêmica. Preciso também comentar que, como aprendemos, a árvore, para crescer, é precisa ser nutrida! Em nosso caso, a nutrição veio nos estudos de inteligência, quaisquer sejam, de segurança pública, penitenciária ou prisional. Todas elas atividades essas que devotamos especial apreço e dedicação! Para nós, houve um momento em que entender os fenômenos que circundavam o universo estrito à criminalidade já não era só um desejo, mas sim uma necessidade. Pensávamos conosco: "Será que existe uma teoria por detrás disso?" Foi onde descobrimos a Ética e a Retórica da Escola de Aristóteles.
ANFITRIÃO 7:07
Como foi o processo de pesquisa para a análise retórica do estatuto do PCC?
CONVIDADO 7:14
Bom, a princípio, em dois mil e dezoito, escrevemos um artigo sobre a disciplina empregada pelo PCC em face de seus integrantes, sendo que, como resultado, houve uma percepção de uma possível existência de um poder paralelo. Então, já em dois mil e vinte e um, participamos do primeiro Seminário Internacional de Editores e Pesquisadores em Segurança Pública, em Brasília, organizado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, onde já nos foi despertado a curiosidade sobre aquilo que chamávamos, a época, de "persuasão a serviço do crime". Percebíamos que as organizações criminosas se comportavam como um forte enunciador, sendo que notávamos a existência de uma certa correspondência com o seu auditório. Curiosamente, tudo isso ocorrendo na amálgama de um discurso. Então, nos perguntávamos: "o que poderia ser aquilo?" Em parceria com outros colegas, chegamos a escrever alguns artigos sobre a temática, oportunidade que foi possível fazer algumas conjecturas acerca de um possível "poder apartado" que estava sendo desempenhado, uma espécie de reconfiguração do Estado! Contudo, o discurso emitido, no caso pelo PCC, nos chamava a atenção: se havia alguma prerrogativa argumentativa, ela ocorria no seio do discurso e de forma estruturada. Então fomos apresentados à Teoria Linguística e com mais intensidade, à Ética e à Retórica de Aristóteles. Desde então, temos aventurado por esse caminho. Diagnosticamos um possível impasse: a constituição ética de Aristóteles tem como premissa a emissão de VIRTUDES, onde a atividade ética toca a justiça, toca aquilo que é legal! Logo, se o crime e/ou a criminalidade culminam em uma improbidade, o crime não é moral! Então, seria uma aparente "ética"! E nós vamos utilizar bastante esse formato! E, por correspondência, aparentes "justiça" e "virtude", também! Tanto que em toda a pesquisa, sempre que nos referimos à virtude, justiça e ética relacionada ao crime, as expressões estiveram dispostas entre aspas. Essa foi uma opção nossa! Interessante esclarecermos isso, uma vez que não pactuamos com crime! Nossa análise é filosófica! Bem, como temos dito, até aqui, a nossa pesquisa aponta para a verossimilhança, ou seja, a aparência de verdade, uma quase lógica! Chegamos ao ponto de interesse de nossa investigação. Em virtude dos aspectos de verossimilhança, através de uma "construção ética" emitida pelo PCC, analisamos os expedientes retóricos e os recursos de persuasão da ORCRIM contidas no Estatuto do PCC, que é o nosso objeto de investigação. Já na perspectiva das técnicas argumentativas propostas pela Nova Retórica e que citamos anteriormente, ainda no regimento do PCC, investigamos a possível presença de argumentos quase lógicos e seus tipos, bem como outros argumentos, aqueles que se fundamentam à estrutura do real. Notadamente, por meio da aplicação de duas vertentes, de modelos e de ante modelos, procuramos desvelar como o PCC apreende uma lógica de valor. Essa expressão é bastante importante! Lógica de valor perante os seus integrantes, por meio da emissão de "virtudes". Virtudes estas que constroem no indivíduo as noções éticas propostas pela teoria de Aristóteles. E quais seriam essas virtudes éticas que nós percebemos em analogia no nosso trabalho? Seria a Noção de Bem, a Noção de Felicidade, a Noção de Justiça, a Noção de Responsabilidade Moral entre outras. Por derradeiro, analisamos as possíveis paixões emitidas pelo auditório de integrantes do PCC, aquelas que puderam ser verificadas através do estatuto.
ANFITRIÃO:Pode nos explicar o conceito do "jeito do crime" que mencionas na sua dissertação e, como você define a relação de valor e empatia entre os membros dessa facção?
CONVIDADO:Quando usamos a expressão "jeitos do crime", estamos propondo um paralelo, um comparativo, meio que uma relação direta da teoria ética aristotélica em verossimilhança com as normas contidas no estatuto do PCC. Acompanhe o raciocínio comigo: parece-nos que, se a ética de Aristóteles confirma que a busca pelo bem é o caminho virtuoso para o alcance da felicidade, aquilo que Aristóteles chamou "de a mais bela e melhor de todas as coisas", em similitude, e agora sim, segundo os "jeitos do crime", segundo a "ética do crime", para o indivíduo agremiado ao PCC, seguir o estatuto sem pestanejar o encaminhará à felicidade perfeita, em transformá-lo em um ser "virtuoso e ético". É a verossimilhança! É a aparência de verdade, aquilo que temos apresentado em toda a nossa pesquisa. Pois bem, em nosso estudo e segundo as teorias que privilegiamos, tal movimento só será possível através da atividade retórica, isto é, em emitir os melhores argumentos discursivos para persuadir. Então, o valor para o PCC é emitido através de uma lógica de valores singulares e caros ao grupo criminoso, ao demonstrar as suas "virtudes" aos seus integrantes. Por exemplo: uma justiça própria, um modelo próprio e que promovem uma relação de empatia, pois atende, digamos assim, o cardápio desejado pela massa da criminalidade!
ANFITRIÃO:Quais são os principais discursos de igualdade, liberdade, paz e justiça utilizados pelo PCC e como esses discursos buscam criar uma identidade dentro do grupo?
CONVIDADO:Seguindo nossa metodologia, para responder a essa questão, continuamos a olhar para o nosso objeto de investigação, que é o Estatuto do PCC. Então, em toda letra escrita, em toda frase formada, o PCC sugere e esse é o discurso, uma certa razoabilidade, de acordo com a "ética do crime". E isso dá origem a uma identificação peculiar, um espírito de corpo, digamos assim. Nisso, o Estado brasileiro destoa na identificação, prospecção, desenvolvimento e, para complicar, na aplicação de políticas voltadas à promoção da dignidade humana e, que precisamos comentar, que foram reconhecidas e aperfeiçoadas através da Declaração Universal dos Direitos Humanos, embora saibamos que já era um tema fundamentado na nossa Constituição Federal. Então, a relação textual da Declaração dos Direitos Humanos com o PCC é icônica, se considerarmos que essa traz em sua estrutura os princípios de igualdade, liberdade, paz e justiça, justamente os dizeres máximos do PCC recitados em seu estatuto! Logo, os integrantes da organização criminosa têm noção acerca de direitos fundamentais, tais como educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, a previdência social, entre outros, e não medem esforços contra a máquina pública caso os mesmos lhes sejam restringidos e, no caso, por exemplo, de um assunto estritamente penal, estritamente carcerário, do negligenciar desses direitos!
Historicamente, tivemos os problemas com relação à aplicação dos direitos humanos para encarcerados, mas, a correlação entre direitos humanos e segurança pública trouxe grandes desastres institucionais! Precisamos comentar isso também! Para se ter uma ideia, até o início dos anos dois mil, o poder público não reconhecia a existência de, digamos, presos se organizando para fazer valer as suas reivindicações. Logo, eclodiram diversas rebeliões e, naturalmente, o fortalecimento de grupos criminosos prisionais. Todos lutavam contra "a opressão", oriunda do poder estatal. Esta foi uma fase bem complicada!
ANFITRIÃO:Como a retórica aristotélica foi aplicada na sua análise do Estatuto do PCC? Há exemplos de "virtudes" promovidas pela facção através de seu discurso?
CONVIDADO:É possível que já tenhamos respondido a essa questão em algumas respostas, anteriormente, mas, em suma, a nossa hipótese diz respeito a uma relação de valor discursivamente praticada pelo PCC. Tivemos a percepção de que as cláusulas do estatuto exprimiam "princípios éticos". Princípios esses, caros ao grupo e que nos fizeram refletir sobre a possível existência de um processo argumentativo, digamos, complexo e que visava conquistar o consentimento de um auditório favorável à cultura do crime. Ou seja, a argumentação foi responsável pela permanência das noções éticas do grupo, o que reverbera na conduta dos seus agremiados! Ademais, verificamos a presença, como dissemos anteriormente, de uma tríade retórica aristotélica. É o "ethos" e o "pathos", como provas lógicas e o "logos", o discurso, que é uma prova psicológica. O "ethos" trata-se de um enunciador capaz de arrebatar o seu público e, de acordo com os seus raciocínios; do "pathos", um orador "digno", chamado PCC, e que consegue suscitar emoções em seu auditório de faccionados. Em terceiro lugar, o nosso discurso, o "logos", que se envereda por um discurso contundente e que faz sentido ao público do PCC! Então, existe uma comunhão das provas técnicas! Elas funcionam de forma conjunta! Elas funcionam de forma agremiada. Então, o PCC se faz "virtuoso" quando ele faz com que a sua "norma mater", que é o estatuto, funcione, quando faz com que ela seja funcional. A isso atribuímos ser "virtude", pois coloca o integrante naquilo que dissemos sobre a ética aristotélica, "no caminho do bem" e que o levará a ser feliz, completamente, só que, conforme nós temos pesquisado, segundos "jeitos" e segundo a "ética" do crime!
ANFITRIÃO:Qual é a importância dos expedientes retóricos na legitimação do comportamento moral dentro do PCC?
CONVIDADO:Nós verificamos que quando o PCC lança mão dos melhores expedientes retóricos, ou seja, aqueles que visam persuadir o seu auditório em predileção, é exatamente o momento em que o aspecto da verossimilhança, ou seja, da aparência de verdade, se aproxima da atividade ética, ou seja, da Teoria Ética. Ademais, é nesse momento que a ética se aproxima da retórica, pois trata-se da ponte que indica a manifestação das "virtudes". Então, qual o papel da retórica nesse processo? Essa pergunta é importantíssima e nós vamos tentar responder. De forma bastante objetiva, o movimento retórico, utilizando-se da persuasão, é responsável por demonstrar tais "virtudes". Como isso pode? Eu respondo: por meio da argumentação! O agir ético depende, portanto, de um suplemento retórico. Ética e retórica atravessando uma ponte para poder fazer sentido em determinadas facetas, de determinados públicos da nossa pesquisa!
ANFITRIÃO:Honoráveis Ouvintes! Trazidos os primeiros esclarecimentos, neste momento faremos um intervalo para, na próxima semana, concluirmos esta fascinante conversa com o policial penal Álvaro Vieira. Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! Acesse www.hextramurospodcast.com! Saiba mais sobre este conteúdo e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!