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Por que Folharada, O Gaúcho, Fugiu Para São Paulo e Rio de Janeiro? Um Pouco Mais do Milagre na Escola do Crime.
Episode 3228th May 2023 • Hextramuros Podcast • Washington Clark dos Santos
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Shownotes

Washington Clark dos Santos



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Transcripts

Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros Podcast!

Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião.

Por entender que faltavam respostas a quesitos, no episódio de hoje trago o conteúdo referente aos episódios de números 20 e 21, nos quais Lacir Moraes Ramos, o Folharada, um ex presidiário e, hoje, pastor de igreja evangélica, conta sua história e traça paralelo entre as atividades criminosas e sua conduta após a regeneração. Assim, agradecendo mais uma vez a colaboração e considerando desnecessária a nova apresentação do convidado, inicio perguntando a razão do apelido Folharada:

CONVIDADO:

Foi uma benção! Em relação ao apelido Folharada, isso foi na escola, tempo de escola, devia ter uns 12 anos de idade. A gurizada estava botando apelido em todo mundo! O bicho folharada era um bicho muito esperto! Era um jabuti! Isso é uma estória, se não me engano, de Monteiro Lobato, “A onça e o jabuti”: ... tinha um lago, onde os bichos, os animais, iam beber água e a onça ficava na espreita e pegava os animais. E o jabuti, como era um bicho muito esperto, ele passou mel no corpo e se enrolou nas folhas e foi beber água. Chegando lá, a onça olhou pra ele e perguntou: “mas quem é você, de onde que tu vem?” - O jabuti disse: “eu sou o bicho folharada. Estou vindo de um país muito longe. Estou com muita sede”. A onça, não vendo nenhum atrativo no jabuti, liberou ele para beber água. Ele bebeu água e se foi, se escapou! Então, essa é a história do “Folharada” e que todo mundo me pergunta, sempre, quando não sabe, o porquê do apelido Folharada, mas, isso é um apelido de tempo de escola ainda.

ANFITRIÃO:

LACIR; qual foi o destino dos demais integrantes do bando que chefiastes? Qual a relevância da sua experiência anterior, na criminalidade, para o aconselhamento e convencimento de pessoas privadas da liberdade? E, a melhora das condições para as visitas dos familiares representa importância para a população carcerária?

CONVIDADO:

Em relação ao pessoal que estava comigo, os 28 companheiros que eu tinha na época, o pessoal chamava de bando, o Bando do Folharada, ou a Quadrilha do Folharada. Isso era denominado pela sociedade e, também, denominado pela própria polícia. E essa quadrilha que a gente teve aqui no estado do Rio Grande Sul, que infelizmente ou felizmente, não posso dizer, a polícia matou todos! Eu sou o único sobrevivente dessa quadrilha! A nossa quadrilha, da época, era muito temida no estado aqui, principalmente no interior, que nós confrontávamos com a polícia, a ponto que a polícia, quando sabia que eu estava em algum determinado lugar, a polícia não ia! Eu ficava sempre em algum lugar estratégico e a polícia não ia! A gente andava, sempre, fortemente armado, eu era um camarada, um exímio atirador! Eu servi o Exército em Santa Maria, no estado do Grande Sul, fiz parte do 29º Batalhão de Infantaria Blindada, na Primeira Companhia de Fuzileiros. Fui um maratonista no Exército também! Eu tinha tudo para ser uma pessoa, como se diz, uma boa pessoa! E era isso que eu desejava e que eu almejava para o meu coração, mas, infelizmente eu entrei por descaminhos! Como é importante realmente as pessoas que a gente se relaciona. Hoje eu dou conselho para o pessoal, se tu queres viver uma vida nova - o pessoal que sai do sistema prisional - digo: procurem novas amizades. De preferência, nem voltem para a vila, para o bairro de vocês. Vão para outro lugar. Se afastem dali, se tu, realmente, queres viver vida nova. O meu conselho, sempre, no sistema, essa é a minha palavra, aconselhando para eles viverem uma vida nova, porque, senão, tu vais morrer na vida do crime! Tu vais morrer pela mão dos teus próprios companheiros! Tu vais morrer pela própria mão da facção que tu defendes e tu és um “Zé Ninguém”! Tu te escapas, enquanto tu tens tempo! O que eu falo são experiências que eu já vivi! Não te engana com o sistema! Essa é a palavra que eu dou para os presos. Para 200, 300 presos nos pátios! Por isso, que eu acho importante o meu trabalho e a minha entrada dentro do sistema! Fui lá, em Rio Grande do Norte, para o pessoal do PCC, que eram 400 presos. Fui eu e o Doutor René. Eu tive a oportunidade de pregar essa palavra para eles: tem que mudar de vida. Vocês têm que confiar em Deus! A facção vai te largar aniquilado. Tu não vales nada! Tu pensas que tu vales, porque tu estás vivendo uma vida de ilusão! Então, te escapa dessa vida enquanto tu tens chance. Tu achas que são teus amigos... amanhã eles vão estar te eliminando! Eu mesmo, como já contei, vi matarem mais de 200 companheiros dentro do sistema prisional. Aqueles que andavam abraçados, que se diziam amigo, às vezes era o próprio que ajudava a segurar para os outros matarem a facada. Eu digo e mostro para vocês... eu posso falar. Eu tenho propriedade para falar. Eu tenho autoridade para falar. Eu não larguei o crime porque eu tive problema com a facção. Eu não larguei o crime porque tive problema com um companheiro. Eu larguei o crime porque eu peguei nojo do crime! Eu peguei nojo das coisas que fazem, das coisas que acontecem. Então, eu, Graças a Deus, tive essa luz! Eu tive essa graça! Você tem chance, a minha pena era de 200 e poucos anos e eu consegui sair do fundo do poço! Vocês também têm oportunidade. Basta vocês quererem mudar de vida. Tua família está sofrendo. Teus familiares ficam na chuva, na frente da penitenciária, para entrar, sofrendo. As famílias sofrem muito ali na frente, nas filas das penitenciárias. O Sistema nunca procurou facilitar para a visita entrar um pouco mais rápido... colocar mais um efetivo nos dias de visita para atender melhor. Atender aquelas pessoas como família. Atender aquelas pessoas como sociedade. Atender os familiares dos presos como seres humanos. Infelizmente, são muito maltratados na entrada das penitenciárias, nas salas de revistas penitenciárias. As revistas têm que existir, eu não sou contra! Sou a favor, mas, tem que ter respeito! Vamos humanizar, também, o tratamento na entrada das famílias, quando visitar os presos, porque a família entrando lá, vai trazer um sossego para o coração daquele cara, vai trazer uma esperança para o coração. Nós temos que colocar, encher o coração do preso, de esperança, encher de possibilidade! O meu trabalho, a minha pregação, a minha mensagem, as minhas palestras dentro dos pátios das penitenciárias são essas: larga o crime, que o crime não compensa! Ou tu vais morrer aqui na cadeia, ou tu vais morrer lá na rua, ou teu companheiro vai te matar, a tua mulher vai te abandonar, teus filhos vão começar a te odiar, a se afastar de ti! Porque a maioria perde a família. Às vezes, perdem a família por causa da entrada desumana dentro das portarias das penitenciárias. Isso é uma das coisas que os presos perdem. Nós temos que preservar a família do preso. A família não pode ser condenada junto. Infelizmente, isso é uma coisa que carrega junto; parece que a família tem que pagar a mesma pena, com sofrimento, com falta de educação, um mau tratamento para as famílias, para as visitas. Quero chamar a atenção das autoridades das penitenciárias, do alto escalão do governo, do chefe de segurança, dos secretários de justiça dos estados. Que possam observar, que possam colocar alguém para fiscalizar o andamento, fiscalizar. O Ministério Público tem que estar na porta, também, das penitenciárias acompanhando, dando esses acompanhamentos para terminar com essa forma injusta de tratar as famílias!

E essa é a minha pregação: largue o crime! Largue o crime enquanto é tempo! Essa é a minha palavra: tenho essa autoridade de pregar! Eu não venho aqui no Sistema, dentro da penitenciária, para passar mão na cabeça. Eu venho aqui para te impactar! Tu mudas o rumo da tua vida porque tu não é nada! Tu podes pensar que tu és o líder, que tu és o chefe, isso eu lhe digo! - e Deus é testemunha do que estou lhe falando – aqui, tu não te governas, tu pensas que te governas! Eu trago para a mente deles, para eles verem que estão vivendo uma ilusão! Tu tens que ir, porque tu não te governas, tu está vivendo uma ilusão, é melhor tu viveres com um pouquinho, na rua, com a tua família, com a tua esposa! Hoje é domingo, por exemplo - eu digo quando eu vou no domingo - hoje é domingo! Tu podias estar na tua casa, sentado com a família, tomando chimarrão, comendo um churrasquinho... antes, eu corria da polícia! Chegava um carro da polícia, eu já ficava traumatizado! Não dormia direito, mesmo, quando estava foragido e, foragido também, está para o lado de fora, mas está te sentindo preso!

ANFITRIÃO:

Por que motivo você escolheu São Paulo e, posteriormente, a cidade do Rio de Janeiro como locais de esconderijo após as suas fugas de unidades prisionais do Rio Grande do Sul?

CONVIDADO:

Realmente, eu sempre pensava que São Paulo era o fim do mundo! Para a gente, que nunca tinha viajado para fora, pensava que era o fim do mundo. Então, foi a primeira coisa que eu disse: vamos para São Paulo! São Paulo é muito comentado e cidade grande! Não vão me achar. Naquela época, não tinha esse sistema integrado da polícia. Eu fui embora para São Paulo por motivos que eu realmente queria sair daqui. Estar o mais longe possível de Porto Alegre, do Estado do Rio Grande do Sul, pela pena que já tinha, de 86 anos, e com vários outros processos de assaltos a banco, assaltos a carro forte, joalherias, enfim; eu queria me escapar. Chegando em São Paulo, consegui trabalho. Fazia seis meses que eu estava em São Paulo, fui parar numa igreja, e casei com a moça na igreja lá! Fiz identidade nova, com o meu nome mesmo, em São Paulo, justamente, por não ter o sistema integrado. Casei na igreja legalmente. Casei no cartório legalmente, com o meu nome legítimo, que, não é como Hoje. Hoje, se estivesse constando, tivesse o sistema integrado, eu estava ralado! Em São Paulo, logo eu me envolvi com alguns times de futebol. Eu gostava muito, sempre, de futebol - eu cheguei a ser um jogador aqui do Internacional, da Cidade Santa Maria, que era o terceiro time aqui no Rio Grande do Sul, na época - sempre gostei do futebol. E comecei a me envolver em times de vila em São Paulo. Logo, conheci uma turma negativa e acabei me envolvendo - e me envolvi profundamente - a ponto que comecei a ser procurado! Eu usava outro nome. Comecei a ser muito procurado em São Paulo. Comecei a participar de algumas quadrilhas e pegar nome pelas coisas que a gente fazia. Fui baleado, cercado pela polícia num carro roubado, levei um tiro com bala explosiva na minha perna esquerda, na altura da... na parte de trás, tiro por trás, que eu me entreguei, cercado com dois helicópteros me perseguindo e mais umas dez viaturas da Polícia Militar. Eu me entreguei e, na última hora, eu estava com as mãos em cima do carro, resolvi empreender fuga, uma fuga desesperada, porque eu sabia que pra mim seria o fim e um policial me deu um tiro com a bala explosiva na perna esquerda, que atingiu acima do tornozelo, na parte de trás, bem no meio, que me espatifou e eu caí no asfalto, na Castelo Branco, em São Bernardo do Campo, e ali eu fiquei, eram umas dez da manhã, eu fiquei na mão da Polícia Militar, sendo torturado. Enfiaram caneta, batiam, chutavam a minha perna. Eu tinha um companheiro que eu estava ensinando a ele dirigir, que fugiu. Conseguiu fugir. Eu fui preso, e dei, logicamente, nome falso, mas, a polícia queria... aquele carro tinha sido usado para várias ações em São Paulo, e eu estava procurado, bastante procurado, mas sempre com outro nome e com outro apelido.

Das dez da manhã, eu fiquei dentro de uma viatura, daquelas Veraneios, na época da Veraneio, da Polícia Militar em São Paulo. Eles queriam que eu entregasse vinte assaltos a banco em São Paulo, vários furtos de automóveis, e queriam que eu entregasse a quadrilha a qual eu estava fazendo parte e, logicamente, que eu não dei, e aí, num desespero, na última hora, eu indiquei, dizendo que o meu companheiro que estava comigo, era a casa do meu sogro e, chegando lá, eu, baleado, na frente, gritei: peguem um advogado! Daí, eles arrancaram

com a viatura, e me levaram. “Ah, mas tu! Nos enganou.” Eu dei entrada no Hospital de São Bernardo às cinco horas da tarde. Então, eu sofri muita tortura. Socos na barriga, tapas, puxão de cabelo, beliscão, queimado de cigarro. Consegui ir para o hospital num estado lamentável! Dando entrada no hospital, me colocaram um gesso na perna, até em cima, um gesso inteiro. Eles já queriam me levar para a delegacia. Os médicos do hospital: “não, esse rapaz não tem condições. Esse rapaz vai ter que ficar abaixado aqui, no mínimo, três dias ou uma semana, seria o correto”. Me levaram para o sétimo andar daquele hospital e, no terceiro dia, desceram comigo no elevador para a enfermaria - sempre um policial na porta do quarto – mas, naquele dia, o enfermeiro veio, como eu estava ali... eu já tinha conseguido um cabo de vassoura, e eu dava uma mexida no quarto, para ir ao banheiro, e já estava me planejando de escapar, mas, como era muito alto, de lençol, fazer uma corda no sétimo andar, seria impossível para mim com a perna engessada. Mas deu acaso que o enfermeiro veio me buscar e me levou para uma sala do gesso no primeiro andar e o policial ficou sentado lá em cima, eu fui acompanhado do enfermeiro, e totalmente, dá para se dizer, imobilizado, no entendimento deles. Eles cortaram, fizeram uma janelinha atrás, onde entrou a bala, bateram os raios X, fizeram curativo e taparam de novo o gesso.

Enquanto isso, o enfermeiro saiu para fazer outro atendimento. Eu fiquei na sala do gesso e o pessoal não sabia quem eu era, só o enfermeiro, mas, ele tinha saído para fazer um outro atendimento rápido, e, depois, ia me levar para o quarto. Eu fui saindo sorrateiramente, com aquele cabinho de vassoura, enveredei para o lado da porta, e o guarda, na porta, na portaria, me atacou, o guarda da portaria do hospital! - Está indo para onde?

- Não, eu vou ir para o carro ali. Eu estou com um problema na perna, e está me doendo estar com a perna muito baixa! Aí o guarda disse: Cadê o papel da alta? Eu disse: o papel da alta está ali, com a minha mãe. Ela está conversando com o médico. E assim, o guarda me liberou, me desejou melhoras. Eu embarquei num táxi e fui lá para uma vila, chamada Vila Ferreira, em São Paulo, em São Bernardo. Fiquei ali um bom tempo. Uns seis meses, me recuperando a perna. Quase secou, a minha perna. Eu consegui me recuperar. Hoje, Graças a Deus, com a Graça de Deus, eu tenho a minha perna plenamente perfeita.

Mas, com isso de não ter entregado os caras e ter sofrido todas aquelas torturas, eu peguei um grande nome ali. Passei a ser um líder de três favelas em São Bernardo do Campo: no Buraco Quente, na Vila Esmeralda e na Vila Ferreira, em São Bernardo do Campo, em São Paulo. E fiquei muito conhecido ali como Gaúcho, me chamavam de Barba, porque eu comecei a deixar a minha barba crescer, e, também, usava o codinome de Diego. E assim, eu fiquei conhecido ali em São Paulo e depois fui recapturado. Eu estava andando numa moto, sem habilitação e fui pego. Tinham roubado uma moto bem parecida e acabaram, na delegacia, me identificando com o meu nome legítimo. Tinham algumas fotos já que estavam sendo destacado e como me chamavam de Barba e uns me chamavam de Gaúcho, eles começaram a deduzir e logo conseguiram me identificar na delegacia. Eu já estava sendo solto, mas, através de fotos, me identificaram e eu vim recambiado para cá, para o Estado do Rio Grande do Sul, de onde eu fugi de novo!

Em São Paulo eu comecei a ter uma ligação com o Rio de Janeiro, com o pessoal da Falange Vermelha, que naquela época não existia PCC, a única quadrilha, bando, que já era denominado Comando Vermelho no Rio de Janeiro. Eu viajei para lá e comecei a chefiar três favelas em São Paulo, em São Bernardo. Eu abastecia eles com droga e buscava no Rio de Janeiro, lá no Morro de Jacarezinho.

, onde me converti no ano de:

Um forte abraço pro senhor! Estou aqui, sempre à sua disposição! Um forte abraço e fica com Deus!

ANFITRIÃO:

Honoráveis Ouvintes! Este foi mais um episódio do Hextramuros Podcast. Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião.

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