Na conclusão da entrevista com o Presidente da Conferência Nacional das Guardas Municipais do Brasil, OSEIAS FRANCISCO DA SILVA, autor do livro “A Consolidação da Guarda Civil Municipal na Segurança Pública”, aprofundamos questões cruciais sobre a percepção da sociedade, as desigualdades financeiras entre os municípios, o papel da liderança e os caminhos para a consolidação futura das guardas civis municipais, trazendo reflexões ainda mais estratégicas para compreender o lugar das guardas municipais na segurança pública brasileira.
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Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! Na sequência do diálogo em que buscamos melhor compreender o lugar das Guardas Civis Municipais na segurança pública brasileira, estamos de volta com a segunda e última parte da nossa entrevista com Oséias Francisco da Silva, autor do livro “A Consolidação da Guarda Civil Municipal na Segurança Pública”.
Na primeira parte, analisamos os aspectos históricos, jurídicos e culturais que moldaram as Guardas Municipais até a presente data. Adiante, avançaremos para temas igualmente fundamentais: a forma como a sociedade percebe essas corporações, os desafios financeiros e regionais que limitam sua expansão, o papel da liderança política e institucional, além das perspectivas de futuro para a sua consolidação definitiva no sistema de segurança pública. Assim, retomando nosso diálogo, OSÉIAS, a população, muitas vezes, associa a imagem da Guarda Municipal ao policiamento comunitário e à proteção do patrimônio público. No entanto, sua obra aponta que essa percepção está em transformação! Como a sociedade brasileira enxerga hoje a atuação das Guardas e o que precisa mudar para que haja maior compreensão e apoio a seu papel constitucional?
CONVIDADO:Houve historicamente uma avançar da atuação das guardas municipais de uma atuação primariamente mais voltada ao patrimônio para uma atuação mais na segurança pública propriamente dita. Isso aconteceu não só porque houve interesse dos gestores municipais ou dos próprios profissionais para atuarem mais evidentemente na segurança pública, no combate à criminalidade, na prevenção das criminalidades e violências que acontecem e afetam os munícipes de nossas cidades. Aconteceu porque o Brasil, em que pese que os indicadores nos últimos anos têm decrescidos na situação de homicídios, mas, nós temos indicadores ainda altíssimos em questões de roubo, furto e em outras modalidades de crimes que acontecem na cidade. O cenário de insegurança nas cidades do nosso país fez com que muitos gestores dessem uma resposta a partir de demandas que vinham da sociedade. Porque eu digo e ratifico aqui que o que existe de concreto no nosso ordenamento é o município! É a cidade! Porque a União, o estado, são um tanto quanto abstratos. As pessoas residem nos municípios! Todo mundo tem CEP no município! Então, as coisas acontecem nos municípios! A população demanda para Câmara dos Vereadores, demanda para o prefeito! O acesso da população de uma cidade ao governador, ao presidente da república, é muito abstrato! É uma situação em que é quase impossível ter esse contato, mas com o prefeito com os vereadores fica muito mais imediata essa relação. O reclame da população por segurança e a partir, também, de a Constituição Federal de mil novecentos e oitenta e oito estabelecer a segurança como um direito fundamental e que coloca os municípios como esse ente federativo que tem o dever de garantir para a sociedade, para a população, a segurança, a população reclama! E os prefeitos, muitas das vezes, ficam abandonados ou esquecidos, ou não têm atenção devida, de governadores e da própria presidência da república e se sentem no dever de dar essa resposta! E, muita das vezes, a resposta vem com uma criação de uma guarda civil municipal ou com o fortalecimento da guarda civil municipal que já existe. Fortalecimento no sentido de equipar, de colocar as guardas municipais mais nas ruas para atender a população! Então, a gente tinha uma atuação mais patrimonial das guardas municipais alguns anos atrás. Por conta dessas demandas, dos reclames, os prefeitos foram investindo, potencializando, comprando viaturas, criando grupamentos especiais, atuando em áreas específicas – trânsito, controle de distúrbios civis, área ambiental, Patrulha Maria da Penha ou Guardiã Maria da Penha - tudo isso, para dar respostas a demandas que iam surgindo nas cidades e, também, por conta de um certo encolhimento ou enfraquecimento das polícias estaduais, sobretudo da polícia militar nos estados, pelo baixo investimento que muitos governadores historicamente vêm expondo para essas forças policiais, pelo esvaziamento. Muitos se aposentando, os concursos públicos não conseguem repor a evasão por aposentadoria. Ou seja, o encolhimento das forças estaduais é algo constatado e, evidente portanto, o crescimento das guardas municipais de outro lado, por conta dessas demandas da própria sociedade! Então, a sociedade hoje percebe as guardas civis municipais como polícia propriamente dita, mas, um outro desafio que surge é uma atuação mais ostensiva, preventiva e comunitária! A nossa orientação e a orientação estabelecida na lei federal treze-zero-vinte e dois, de 22 de agosto de dois mil e quatorze, é que as guardas municipais ocupem esse espaço da polícia comunitária que o país, já há muitos anos, pretende. E as guardas municipais se vocacionam para isso, tem credenciais para isso e devem ter esse esforço para manter essa boa relação com a comunidade e qualificarem seus profissionais para, quando necessário, for fazer o enfrentamento, faça o enfrentamento qualificado à criminalidade e sempre pautado pelo princípio da legalidade.
ANFITRIÃO:Destacas também as peculiaridades regionais e as limitações orçamentárias dos municípios como barreiras importantes. Como viabilizar a profissionalização e padronização mínima das guardas diante da diversidade econômica e administrativa das cidades brasileiras?
CONVIDADO:Esse aspecto é relevante na análise de cenário onde coloca os desafios para a consolidação das guardas municipais. Essa assimetria política, administrativa, que repercute também ou é consequência na questão orçamentária e financeira da cidade, isso implica, sim, em prejuízos e desafios importantes para as guardas civis municipais do nosso país. Porque tudo passa pela questão orçamentária e, no nosso país, você tem uma concentração muito grande no orçamento nas capitais, nas grandes cidades e, as pequenas cidades, que constituem a maior parte do nosso território nacional, boa parte delas sobrevive com o dinheiro do fundo de repasse dos municípios, a maior parte da sua população são aposentados e pensionistas, muita das vezes, também, dependentes dos programas sociais do governo federal, do governo estadual, não têm uma indústria pujante, não tem fontes que consigam compreender o orçamento do município de maneira que permita ao gestor fazer investimento, fazer a manutenção necessária. Então, dinheiro – orçamento - é preponderante nessa discussão! Uma das formas é repensar o pacto federativo na divisão do bolo orçamentário e, no caso especificamente sobre a segurança pública, eu penso que uma demanda que vem há muitos anos e que, recentemente, uma PEC dezoito, de dois mil e vinte e cinco, a Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo governo federal a partir do Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski ao Congresso Nacional que está em debate é a constitucionalização do Fundo Nacional de Segurança Pública. Significa dizer que vai trazer uma rubrica, um fundo vinculado, onde não poderá haver contingenciamento. Uma verba garantida como existe para Educação, para a Saúde! Isso vai possibilitar para que os gestores municipais, no caso das guardas municipais, tenham previsibilidade no planejamento de suas ações. Quando esse fundo for constitucionalizado, quando tiver um aporte financeiro e, daí, tiver uma clara divisão desse fundo nacional, em que todos os municípios tiverem uma previsão orçamentária para receber um valor para investir nas suas guardas municipais em estrutura, em valorização, fazer os investimentos devidos, esse aspecto será melhorado! Isso vai ter uma função muito relevante! No quesito da profissionalização, nós já temos exigência legal, tanto do ponto de vista formativo na própria treze-zero-vinte e dois da lei federal - Estatuto Geral das Guardas Municipais – mas, também, nós temos a matriz curricular estabelecida pela Secretaria Nacional de Segurança Pública vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a SENASP, que estabeleceu uma matriz para formar os guardas civis municipais. Ainda está desatualizada, tem processo de atualização, mas, serve como referência. Do ponto de vista do armamento, tem a matriz estabelecida, exigida pela Polícia Federal, da formação técnica e estabelecer processo permanentemente de atualização profissional para criar uma profissionalização dos guardas civis municipais vai melhorar tanto a opinião pública relacionada a esses profissionais como também a entrega do serviço de segurança pública desse direito para a população! A nossa expectativa é que dando conta dessa dimensão, desse problema do orçamento, isso ajude também na padronização nacional! Outro aspecto importante: nós temos a Lei número treze mil, zero-vinte e dois, de oito de agosto de dois mil e quatorze, o Estatuto Geral das Guardas Municipais, estabelecidas numa lei federal. Essa lei é a métrica para padronizar todas as guardas municipais do país! Em que pese a lei de dois mil e quatorze, nós estamos em dois mil e vinte e cinco, mais de onze anos de aprovação e de pleno vigor dessa lei em todo o país, diga-se de passagem, uma lei que foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, muitos municípios ainda não se adequaram a ela! E o Ministério Público, que tem a função de zelar, de cuidar da legislação, também não tem feito um esforço em cobrar dos prefeitos a plena aplicabilidade da Lei treze-zero-vinte e dois! Então, se o Ministério Público fizesse o seu papel, se os gestores municipais implementassem essa lei, se os próprios guardas municipais, mais, sobretudo os vereadores que tem mandato e a população exigissem esse padrão, é um benefício muito grande para a cidade e para a corporação! Penso que cada um tem a sua responsabilidade nesse processo de padronização!
ANFITRIÃO:Outro ponto forte de sua obra é a análise sobre liderança e organização classista. Em sua visão, como a categoria pode avançar na construção de lideranças representativas e sustentáveis que realmente consigam dar voz e consolidar as guardas municipais como força estruturante da segurança pública?
CONVIDADO:Esse é um aspecto fundamental, porque quando falamos de consolidação do ponto de vista de organização classista, organização institucional, de organização política, isso repercute também no fortalecimento da Guarda Civil Municipal enquanto polícia da cidade. Se você olhar para a Polícia Federal, para a Polícia Civil, Polícia Militar, a Polícia Penal, outras profissões que atuam no setor privado, você vê com muita clareza como que essas profissões, todas, se organizam em sindicatos, associações até chegar no seu grau superior que é o grau de confederação e têm as condições de fazer e criar aquele escudo de proteção à sua categoria de avançar em direitos, seja nos espaços de Assembleia Legislativa, no Congresso Nacional e a defesa no Supremo Tribunal Federal e, nós, guardas municipais, temos essa pendência histórica e se constitui uma grande fragilidade da nossa categoria, como um todo, no Brasil! E temos um fenômeno que eu chamo, inclusive, no livro, de “anarquia representativa”: por falta de uma representação consolidada, bem estruturada, da nossa categoria, surgem diversas associações, entidades e lideranças que se apresentam como lideranças de classe sem uma legitimidade de uma categoria ou sem passar por um processo de eleição, sem passar por um processo de assembleia, sem passar por processo de legitimidade de coletivo maior e se apresentam em redes sociais e indo nos espaços - discussões políticas - como representante! isso gera uma confusão, uma fragmentação e, ao mesmo tempo, uma certa sensação de desorganização na nossa categoria! Precisa haver a legitimidade nas lideranças e os órgãos de classe para que consigam dialogar e serem reconhecidas frente às autoridades, para que criem agendas que tenham resultados práticos para as nossas guardas municipais! Nós temos uma concorrência de lideranças! Os nossos líderes sofrem bastante, aqueles que têm legitimidade, por conta dessas outras lideranças que não têm um processo coletivo de eleição e, portanto, se autointitulam lideranças constituídas, muitas das vezes, em redes sociais e nos espaços representativos. Eu sei que existem lideranças individuais que alcançaram esse posto por um trabalho já desenvolvido e tem sua importância, mas nós devemos, sim, considerar as lideranças que passaram por um processo coletivo de eleição, de decisões no processo sindical ou tipo de associação, porque isso é importante para nossa categoria! E a gente patina bastante porque as outras forças têm as suas organizações já estruturadas e representativas como referenciais para as autoridades, para sua própria base. E nós, guardas municipais, temos dificuldade em localizar, identificar, quais são as entidades, quais são as lideranças que de fato têm legitimidade coletiva para representar e para ser seguida quando chama os guardas municipais para participar de uma luta! Esse aspecto é urgente! Isso passa pela questão do vínculo institucional, sistema de pertencimento, que vem com a questão da valorização profissional. Passa pela questão da consciência de classe e fortalecer as suas organizações para que façam as defesas, principalmente na suprema corte nacional, defendendo os interesses da categoria.
ANFITRIÃO:Caminhando para o final de nossa conversa, meu caro, repriso os meus agradecimentos pela sua esclarecedora participação, parabenizando pela obra e desejando muito sucesso para o alcance do propósito. Deixo este espaço para suas considerações finais. Grande abraço!
CONVIDADO:Para finalizar a minha participação eu quero aqui agradecer novamente o convite, me colocar à disposição, sempre, para contribuir com esse debate, com essa discussão. Parabenizo pelo importante espaço de levar informação para a sociedade, para nossa categoria e quero finalizar dizendo que as guardas municipais são as polícias genuinamente da cidade! Precisam atuar dentro dos princípios estabelecidos na Lei treze-zero-vinte e dois, de oito de agosto de dois mil e quatorze, porque, lá, traz o DNA da polícia comunitária, a polícia preventiva, com o trabalho integrado com as forças policiais dos estados, que é fundamental para melhorar a segurança nas cidades! E que, hoje, nós temos mais de mil municípios brasileiros com guardas civis municipais - é a força policial que mais cresce no país! - e que tem ganhado maior legitimidade! E, onde tem guardas municipais bem preparadas, bem qualificadas, bem estruturadas, bem valorizadas, bem equipadas, as pesquisas mais recentes indicam que são cidades mais seguras no país! Fica o recado aí para todas as guardas do país e, principalmente, para os gestores que têm o dever de prover a segurança como direito para a sociedade! Forte abraço!
ANFITRIÃO:Honoráveis Ouvintes! Este foi mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje finalizei o diálogo em que buscamos melhor compreender o lugar das Guardas Civis Municipais na segurança pública brasileira, na entrevista com Oséias Francisco da Silva, Presidente da Conferência Nacional das Guardas Municipais do Brasil, autor do livro “A Consolidação da Guarda Civil Municipal na Segurança Pública”.
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