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PERSPECTIVAS - PARTE 2. TEORIA DA PESQUISA E PRÁTICA POLICIAL. COLABORAÇÃO OU ANTAGONISMO??
Episode 6823rd February 2024 • Hextramuros Podcast • Washington Clark dos Santos
00:00:00 00:18:35

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Shownotes

Neste conteúdo, concluo a entrevista com o Mestre NELSON GONÇALVES DE SOUZA, explorando seus ensinamentos e percepções acerca dos reflexos na Segurança Pública da interação entre a prática policial e a teoria da pesquisa.

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Transcripts

Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros Podcast! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje, concluo a entrevista com o Mestre Nelson Gonçalves de Souza, explorando seus ensinamentos e percepções acerca dos reflexos na segurança pública, da interação entre a prática policial e a teoria da pesquisa:

Que princípios de gerenciamento e abordagens policiais são essenciais para o impacto positivo na redução da criminalidade?

CONVIDADO:: 1:03

Eu não quero ser acadêmico nessa questão de abordar princípios, gerenciamento e abordagens policiais. Primeiro, porque os princípios de gerenciamento de uma organização policial não diferem dos princípios de gerenciamento de qualquer outra instituição. Você tem todo o processo de gerenciamento de qualquer organização assentado nos objetivos institucionais, assentados no planejamento estratégico, tático e operacional, na identificação de alternativas para o alcance dos objetivos estabelecidos desse planejamento e avaliação disso, para ver se você de fato conseguiu alcançar os resultados que você previu. Então, os princípios gerenciamento são, obviamente, respeitadas as peculiaridades das instituições, mas em termos gerais, em termos genéricos, eles se aplicam, são os mesmos aplicados a qualquer outra organização pública ou privada com a qual você venha a interagir. Polícia não é diferente! Organizações policiais não são diferentes nesse sentido porque lidamos com logística, você lida com o pessoal, você lida com operações, você lida, enfim, com a gestão de carreiras. Tudo isso é inerente às organizações de segurança pública, tal qual o é em outras instituições públicas ou privadas. Com relação às abordagens policiais, isso nós estamos falando de abordagens efetivamente do policial no encontro dele com o cidadão, é preciso que isso seja regulado pela lei. É preciso que seja regulado por padrões das melhores práticas que ocorrem mundo afora e que devem ocorrer aqui no Brasil também, com respeito à dignidade humana, com respeito aos direitos humanos, com respeito às melhores técnicas de abordagem e que não coloquem nem a vida do cidadão e nem a vida do policial em risco, porque nenhum dos dois existe para morrer, nenhum dos dois existe para se submeter ao perigo, exceto quando essa questão, efetivamente, os coloca em conflito, os coloca em confronto em que, a partir da utilização das melhores técnicas possíveis, os policiais deverão fazer o seu melhor para que o resultado desse encontro conflitivo seja o menos danoso possível para qualquer uma das partes. Infelizmente, como todo o encontro da polícia com os cidadãos que estão a cometer infração, estão a cometer crimes, não são situações não-conflituosas, elas podem desaguar, inclusive, em cenários muito desagradáveis, como a própria morte de uma das partes.

ANFITRIÃO:: 3:40

Como descreves a relação entre pesquisadores e profissionais da polícia sob a ótica da importância da experiência de campo?

CONVIDADO:: 3:52

De algum modo, eu já toquei nesse assunto nas minhas respostas anteriores, mas eu diria para você o seguinte: que há uma uma verdadeira preocupação por parte dos profissionais de segurança pública no sentido de avaliar que os pesquisadores muitas das vezes não têm nem a prática necessária para entender os processos que ocorrem na realidade do policial e nem, tampouco, estão, de fato, interessados em conhecê-la! Isso é algo presente na visão de mundo, nas representações dos profissionais de polícia e que precisa, de alguma maneira, ser superado. Para os policiais, para o que o Bill Braton chamou de "practitioner", que são os praticantes da atividade policial, parece ser essencial que qualquer indivíduo que venha a pesquisar segurança pública devesse ter alguma experiência de campo. Mas, isso também, não é verdadeiro! O que ocorre é o seguinte: que o método científico pressupõe que você, a partir de diferentes modos de olhar para a atividade policial, assim como outras atividades, você consiga capturar a essência dela e compreendê-la e dar uma interpretação adequada para aquilo que você está vendo enquanto pesquisador. Isso é historicamente feito assim. Não pense você que os grandes pesquisadores norte americanos, que são considerados "o top" da pesquisa em justiça criminal e segurança pública são policiais, porque, grande parte deles, não são! Mas, o que eles fazem, que eu considero essencial, é estarem muito próximos, através das suas instituições e através deles mesmos e das suas equipes, das organizações policiais, num convívio diário de policial, de praticante, de pesquisador, que faz com que o pesquisador tenha uma visão um pouco mais alargada em relação ao dia a dia e à atividade de campo dos policiais, permitindo que eles possam ter uma capacidade de interpretação melhor, mais efetiva, mais objetiva do que da situação em que os indivíduos policiais estão submetidos. Isso, infelizmente, não é uma verdade e, no Brasil, menos ainda! Um dos problemas que nós temos no Brasil é o distanciamento por uma decisão histórica ou por uma relação histórica, eu não saberia afirmar para você em que momento isso ocorreu, mas, historicamente há um distanciamento muito importante no Brasil entre a academia e as organizações policiais, das organizações de segurança pública, que, mais recentemente, eu diria, na última década, talvez, tem sido sido diminuída. Ou seja, parece estar havendo uma aproximação que, anteriormente, pouco existia. Eu tenho expectativas de que os pesquisadores, as instituições de ensino superior, as universidades, os centros de estudos e os institutos de pesquisa que lidam com segurança pública sejam capazes de se aproximar cada vez mais a instituições policiais para que eles possam, de fato, colher dados mais aproximados da realidade policial e da realidade da comunidade na relação dela com a polícia, bem como as próprias organizações de segurança pública sejam capazes de abrir-se à pesquisa, abrir-se às instituições de ensino superior que podem trazer para essas organizações policiais metodologias adequadas para que elas possam interpretar, às vezes até por si mesmo, ou especialmente em conjunto com as instituições acadêmicas, De uma maneira mais aproximada, os fenômenos com os quais ela se defronta. Eu acho que isso é essencialmente importante. Não é possível esse grau de isolamento, porque esse isolamento só faz com que a gente alcance níveis inaceitáveis de violência na sociedade, como é o caso do Brasil.

ANFITRIÃO:: 8:01

No âmbito da segurança pública, há receptividade para que os pesquisadores abordem e apliquem suas teorias? Porque?

CONVIDADO:: 8:13

Há um distanciamento importante na relação da academia com as organizações policiais, porque talvez haja um distanciamento teórico das instituições de pesquisa, das instituições de ensino superior, da efetiva prática que acontece no dia a dia das organizações policiais e, consequentemente, a receptividade por parte da polícia e das teorias acadêmicas sobre segurança pública nem sempre é boa! Há uma, quase sempre uma certa relutância das organizações policiais em tratar das abordagens teóricas que são propostas pela academia, pelas instituições de pesquisa, exatamente pelo fato de que os policiais e as organizações policiais - eu estou falando dos líderes, dos chefes, dos comandantes, dos dirigentes - não terem a percepção de que a academia tem a real sensibilidade do que é o fazer policial. E em não tendo essa sensibilidade, eles não jamais irão, na perspectiva desse indivíduo, compreender o que a polícia faz, como faz e porque faz. E as teorias, na perspectiva desses indivíduos, também parecem não cobrir as peculiaridades da atividade policial. Ora, eu entendo e repito que essa barreira precisa ser superada tanto de um lado quanto do outro, de maneira tal de que se possa, a partir da prática diuturna das organizações policiais observadas sob a ótica do método científico, se possa produzir teorias que sejam de fato válidas e aceitas pelas organizações policiais de uma maneira menos reticente, porque eles perceberão a aplicabilidade disso no seu processo de tomada de decisão. Então, eu entendo que existe, sim, uma receptividade não muito ampla por parte das organizações policiais, pelas razões que eu já elenquei aqui ao longo da nossa conversa, mas entendo que isso pode ser superado na medida em que haja uma convergência de interesses de ambas as partes.

ANFITRIÃO:::

Quais são os elementos fundamentais de uma força policial bem liderada e em que medida a tecnologia pode influenciar no aprimoramento de tal liderança?

CONVIDADO:

A liderança de uma organização policial, não necessariamente, está vinculada diretamente à questão da tecnologia. A tecnologia é um fator de apoio essencial na atualidade para que você possa ter capacidade de acesso aos seus recursos de maneira muito mais facilitada, capacidade de controle e gerenciamento de recursos de maneira muito mais facilitada. Mas a liderança por parte dos dirigentes das organizações tem muito mais a ver com a própria formação desse líder, com a capacidade, com as competências que esse líder tem, independente das tecnologias que estão disponíveis na organização, para que ele possa fazer um bom trabalho de condução dessa instituição. A liderança, muita das vezes, mesmo sem a tecnologia, é o fator determinante para que a instituição produza resultados efetivos ou não. Obviamente que a tecnologia e, em especial as tecnologias disponíveis atualmente, elas são muito importantes, muito relevantes para ajudar esses dirigentes nos seus processos de gerenciamento, seja através de facilidades computacionais que estejam disponíveis na organização, seja as condições adequadas de gerenciamento através de sistemas de informação robustos na organização, seja através de sistemas que permitem com que os policiais nas ruas possam ter capacidade de obtenção de dados com mais facilidade e, consequentemente, tomar decisões melhor informadas, tudo isso faz parte da relevância da tecnologia dentro das organizações, mas, acima de tudo, quando nós falamos de liderança, nós estamos falando da competência individual daqueles que dirigem a organização e que não necessariamente é dependente da tecnologia.

ANFITRIÃO:::

Qual a sua conclusão acerca da relação entre a academia e a polícia e o papel crucial da pesquisa na prática policial?

CONVIDADO:::

Eu sou policial e pesquisador, pesquisador e policial! Eu não consigo desvincular uma coisa da outra. Eu entendo que a pesquisa é algo que precisa ser contínuo na atividade policial, sob a melhor metodologia disponível num dado momento. É óbvio e eu repito que as condições de realização de pesquisas numa organização policial são diferentes de realização de pesquisa na academia. Nós estamos falando de tempo e recursos possíveis, repito, as organizações policiais têm limitações de tempo, de recurso para realizar pesquisas duradouras, porque o processo de tomada de decisão é muito mais urgente do que na academia. Mas isso não impede que as organizações policiais se voltem para o método científico como uma das formas de realizar os seus experimentos na área de policiamento que levem a resultados interessantes para a sociedade. Historicamente, a gente tem visto aí a emergência do policiamento comunitário, que é consequência de estudos científicos. Nós temos visto aí a ideia de políticas públicas baseadas em evidência, que são resultantes de experimentos científicos. Estamos vendo aí policiamento baseado em inteligência e outras tantas abordagens teóricas, principalmente hotspots, que são decorrentes de experimentos realizados ou pelas instituições em si mesma, ou pela coparticipação de organizações de pesquisa de universidades que ajudam, hipotecando a sua experiência metodológica para que esses experimentos possam ser analisados adequadamente os seus resultados, e se chegue à conclusão, em relação aos seus resultados, de que vale a pena continuar ou de que deve se parar por aí, ou que são replicáveis e em que condições são replicáveis. Então, todas essas abordagens teóricas recentes, elas têm no método científico o seu grande valor agregado. O que eu entendo que a gente precisa na polícia é deixar de achar que só a prática policial é produtora de conhecimento. Não! A prática precisa ser um dos elementos, eu não digo determinante, mas, um dos, elementos relevantes para a produção de novas teorias, mas que precisam ser objeto de análise adequada, tanto do ponto de vista metodológico quanto do ponto de vista dos resultados que elas produzem, para que se possa transformá-las em teoria e, consequentemente, a replicá-las com as devidas adaptações, em diferentes contextos.

ANFITRIÃO:::

Mestre, marchando para o final de nossa conversa, repriso aqui os meus agradecimentos pela tua brilhante participação e coloco este espaço para suas considerações finais. Grande abraço!

CONVIDADO:::

Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer a oportunidade para nós conversarmos. Por termos essa conversa que, para mim, é muito importante no sentido de divulgar como a polícia pensa, a partir da visão de um pesquisador, que é o que eu sou, policial e pesquisador. Por outro lado, não tem sido tão comuns as oportunidades para que policiais e pesquisadores possam se manifestar a respeito das questões que você colocou aqui. O que torna essa oportunidade mais relevante ainda! Eu gostaria apenas de finalizar dizendo que é essencial que tanto a academia quanto as organizações policiais reconheçam a relevância de cada uma e convirjam para um trabalho conjunto, que seja produtivo, que seja contributivo para a compreensão dos fenômenos da criminalidade na sociedade e que sejam capazes de encontrar respostas adequadas para esses fenômenos, cada um no seu devido tempo, seja para a tomada de decisões imediata o mais rápido possível, seja para um estudo mais aprofundado ao longo do tempo para se analisar a evolução desse fenômeno. De qualquer modo, não há como se pensar mais em que esses dois contextos, o contexto acadêmico e o contexto da prática policial continuem atuando em separado, porque, na medida que o façam, cada um deixará de contar com a contribuição que é possível advinda de cada uma dessas áreas e, consequentemente, os processos de prevenção e os processos de repressão criminal sempre terão uma lacuna que poderia ser preenchida se essas duas áreas produtoras de conhecimento estivessem trabalhando juntas. É disso que se trata! E mais uma vez eu te agradeço a oportunidade!

ANFITRIÃO:::

Honoráveis Ouvintes! Este foi mais um episódio do Hextramuros Podcast! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! Neste conteúdo, concluímos nossa entrevista com Nelson Gonçalves de Souza, Doutor em Psicologia Social, Mestre em Gestão do Conhecimento e Tecnologia da Informação e Coronel Reformado da Polícia Militar do Distrito Federal, explorando a sua visão acerca da interação entre a academia e a polícia. Quer saber mais sobre este episódio? Acesse www.hextramurospodcast.com! Inscreva-se e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!

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