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"A GÊNESE DAS FACÇOES CRIMINOSAS: COMANDO VERMELHO E TERCEIRO COMANDO."
Episode 13613th June 2025 • Hextramuros Podcast • Washington Clark dos Santos
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Shownotes

O conteúdo apresenta um exame aprofundado das origens e da evolução das facções criminosas no Rio de Janeiro, com foco específico no Comando Vermelho e no Terceiro Comando. Fábio Samu, autor da obra "A Gênese das Facções Criminosas: Comando Vermelho e Terceiro Comando", articula a trajetória histórica dessas organizações desde sua criação em 1958, marcada por audaciosos assaltos a bancos, até sua consolidação no poder em 1984, um momento crucial no cenário criminal do estado. Por meio de uma síntese meticulosa de pesquisa empírica e narrativas pessoais, Samu elucida a dinâmica intrincada que sustenta essas facções, entrelaçando sua formação com o tecido sociopolítico mais amplo do Brasil durante uma era tumultuada. O discurso aprofunda-se nas implicações das políticas sistêmicas de encarceramento e no ambiente resultante dentro das instituições penais que facilitaram a proliferação dessas organizações criminosas.

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Transcripts

ANFITRIÃO:

Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! "A gênese das facções criminosas: Comando Vermelho e Terceiro Comando" é uma obra que oferece uma análise da origem das facções criminosas no Rio de Janeiro, traçando o desenvolvimento dessas organizações desde mil novecentos e cinquenta e oito, com assaltos a banco que marcaram o início de uma era de crimes altamente organizados, até ocorrências de mil novecentos e oitenta e quatro, período que consolidou o domínio das facções naquele estado. Com uma abordagem que combina pesquisa científica e relatos de protagonistas, o livro contextualiza a formação do Comando Vermelho e do Terceiro Comando, revelando suas dinâmicas internas e a conexão com os processos históricos, sociais e políticos do Brasil. No conteúdo de hoje, converso com o seu autor, Fábio Samu, cineasta e educador, que nos traz uma perspectiva única, baseada em sua experiência com o projeto JURISDRAMA, voltado à educação de apenados por meio da dramaturgia. Com gratidão, o saúdo com as nossas boas-vindas, Fábio! Satisfação enorme contar com a sua contribuição neste canal! Como ocorreu a vinculação do JURISDRAMA com as atividades de reintegração de internos em unidades prisionais, tendo em vista que tal experiência, pela leitura do livro, revela a influência na sua visão sobre o impacto do sistema prisional na criação e expansão das facções?

CONVIDADO:

O trabalho em presídio começou meio que por um acaso, porque ninguém que está se formando numa licenciatura, ainda mais uma licenciatura em filosofia, vai pensar assim: nossa! eu vou me formar e eu vou dar aula em presídio. Não! O que aconteceu foi: eu me formei e estava procurando emprego na internet e, pesquisando, achei um processo seletivo para professor de filosofia em unidades prisionais. Eu pensei: "cara; essa vaga vai ser minha, porque vai ter várias pedagogas e eu, como professor de filosofia!" Só que eu quase acertei, porque apareceu um intruso, um amigo meu, de Filosofia, o Rodrigo! Eu estava super empolgado para dar aula em presídio e ele não estava nem um pouco empolgado, mas, enfim, nós dois, ambos recém-formados, procurando emprego, a gente tinha que disputar ali a vaga! E acabou que ele foi selecionado e eu não fui! E eu já tinha assumido o JURISDRAMA - e o Rodrigo sabia disso - e falou: Samu, por que tu não dás aula de teatro em presídio? E eu falei assim: cara; isso não vai rolar! Não faz sentido nenhum ter aula de teatro em presídio! E ele ficou insistindo, insistindo: "não, eu falo com a diretora!" Eu falei: beleza! Fala então com a diretora! Ele falou! Eu fui lá conversar com a diretora. A diretora adorou a ideia! Marcou-se uma outra reunião, agora com o representante dos presos, o monitor. E eu estava totalmente descrente! Só que a minha conversa com o preso, o que eu esperava, foi totalmente o oposto! O preso ficou muito agradecido por eu estar disposto a desenvolver uma atividade lá com eles, porque ninguém quer fazer nada dentro das prisões! E, aí, eu mudei minha concepção! E foi assim que o projeto começou.

ANFITRIÃO:

É possível traçar uma síntese de como as políticas públicas de encarceramento e o ambiente prisional contribuíram para a formação dessas facções criminosas?

CONVIDADO:

Sobre o surgimento do Comando Vermelho, disse a lenda que a facção surgiu da mistura de presos políticos com presos comuns em Ilha Grande, no ano de mil novecentos e setenta e nove. A primeira coisa que eu tenho a ressaltar é o seguinte: o convívio de presos políticos e presos comuns em Ilha Grande ocorreu de dezembro de mil novecentos e setenta e um a agosto de mil novecentos e setenta e três e, nós, precisamos entender o contexto da época. Vivia-se a ditadura militar e os assaltos a banco foram incluídos na Lei de Segurança Nacional. Então, todo indivíduo que praticasse assalto a banco seria enquadrado na Lei de Segurança Nacional! Essa lei não distinguia se o indivíduo era um guerrilheiro ligado aos grupos armados revolucionários de esquerda ou um assaltante comum. Porque o regime queria mostrar ao mundo que aqui no Brasil não havia presos políticos! Todos eram criminosos comuns!

A partir de dezembro de mil novecentos e setenta e um, todo indivíduo que praticasse assalto a banco era enquadrado na Lei de Segurança Nacional e encaminhado para a Ilha Grande e passava a ocupar a segunda galeria. Em dezembro de mil novecentos e setenta e um, nós tínhamos oitenta e dois guerrilheiros com dez assaltantes de banco comum, convivendo na mesma galeria. A questão é que esse convívio foi extremamente turbulento! Vou citar uma passagem: quando os presos comuns da Lei de Segurança Nacional chegaram na 2ª galeria, os “políticos” estavam organizando uma greve de fome e eles abraçaram essa causa e, aí, foi uma greve vitoriosa. Só que, na hora de avaliar os resultados da greve, os “comuns” foram deixados de lado. Os “políticos” entenderam que eles foram apenas massa de manobra! E eles não gostaram disso, se sentiram excluídos! Afinal, para eles - para os criminosos comuns - todos eram “políticos”, porque todos estavam enquadrados na mesma lei! Então, esse foi o primeiro entrevero. Um segundo entrevero, que marcou a divisão da segunda galeria, e a partir daí, foi criado o “fundão”, que era parte dos fundos da galeria, ocorreu porque um preso chamado Ricardo Duran, que foi quem negociou a participação dos criminosos comuns na greve de fome – talvez, essa atitude dos “políticos”, eu não posso afirmar isso com certeza, mas, deixou alguma sequela, alguma raiva dele em relação aos “políticos” - e ele resolve roubar o relógio do guerrilheiro Cláudio Câmara. O crime foi logo descoberto pelos guerrilheiros. E aí eles decidiram dar uma surra no Cláudio Câmara porque ele seria retirado da galeria.

E com isso eles queriam que os outros criminosos comuns também fossem retirados da galeria. Porque essa era a norma da cadeia. Só que havia um problema, como eu disse antes: o regime militar não queria separá-los! Então, eles dividiram a galeria ao meio e o “fundão” foi criado. Esse foi o contexto turbulento. Eu citei aqui dois episódios. Agora vamos para a segunda parte, o “fundão”: quando o “fundão” é criado, esses assaltantes de banco passam a criar entre eles um princípio de identidade, porque até então eles viviam espalhados pelas galerias e aí eles uniram esses indivíduos e isolaram. Então, eles estavam num regime de pena dura, linha dura, fechada, em total isolamento e, alí, haveria duas possibilidades: ou eles continuariam as rixas entre si ou eles se uniriam contra o sistema. Obviamente, eles resolveram: vamos dar uma pausa nas nossas rixas e vamos pensar na situação que está, porque está todo mundo aqui “ferrado”! E é por isso que eu digo: quando eles foram para o “fundão”, surgiu esse princípio de identidade. Então, a primeira atitude que eles tomaram foi – seria o primeiro pacto -: “problemas de rua se resolvem na rua”! Porque existiam muitas pessoas dentro da cadeia que chegavam lá com rixa de rua. Então, assim; “cadeia não é lugar de você resolver a tua rixa! Quando os dois estiverem lá na rua, vocês façam o que vocês quiserem. Aqui, nós temos que nos unir contra o sistema”! E, então, eles firmaram esse pacto e tudo certo? Não! Esse pacto ocorreu através de derramamento de sangue entre eles! O maior exemplo disso foi o extermínio da Quadrilha DKW. Essa quadrilha roubava carros da marca DKW. Eles tentaram roubar um assaltante banco cujo apelido era “Marta Rocha” e aí o pessoal da galeria interveio. Tempos depois - os presos chamam isso de “sumariar” - a quadrilha DKW saiu de Ilha Grande, foi ao Continente, responder alguma Junta Militar. Quando eles retornaram, a galeria decidiu tirar a vida de todos! Todos foram exterminados, à exceção de um, o “Silvio Maldição”. Ele conseguiu se trancar dentro de uma cela, gritar, e os guardas vieram e conseguiram salvar o “Silvio Maldição”. Tempos depois, o próprio se reconciliou com os presos comuns da Lei de Segurança Nacional e aceitou a maneira de vida desses presos. Recapitulando: a separação ocorreu em agosto de mil novecentos e setenta e três; os presos comuns da lei de segurança nacional viviam na parte conhecida como “fundão” e os “políticos” viviam na parte da frente; cada coletivo passou a seguir a sua vida. Era como se a segunda galeria fosse duas galerias que, a partir daí, um coletivo não tinha mais contato com o outro. O regime militar, a partir de setenta e quatro, começou a perceber que não justificava mais manter esses indivíduos lá em Ilha Grande e começou a transferi-los para uma prisão no Continente, por exigência dos próprios presos políticos. Então, não tinha mais como o Brasil negar que havia presos políticos! Não justificava mais manter esses dois coletivos juntos. E os militares, reconhecendo isso, tiraram os “políticos” de lá! Os “políticos” saem de Ilha Grande, em agosto de mil novecentos e setenta e cinco. Por isso, que eu frisei anteriormente que “dizem” que o Comando Vermelho surgiu da mistura de presos políticos e presos comuns em Ilha Grande, no ano de mil novecentos e setenta e nove. Em mil novecentos e setenta e nove não havia mais guerrilheiros em Ilha Grande! E, depois que os guerrilheiros foram levados para o Continente, o Thompson, que era o diretor penitenciário, convenceu os militares que deveriam espalhar os LSNs pelo sistema, justamente para quebrar a unidade deles. Só que eles já tinham firmado pactos e não foi mais possível destruir essa união que eles tinham, porque, quando os LSNs foram postos no convívio, um outro inimigo existia, um inimigo poderoso, que era a Falange dos Jacarés! A violência carcerária em mil novecentos e setenta e cinco em Ilha Grande era algo absurdo! E eram dois tipos de violência: a violência praticada pelos guardas em relação aos presos e a violência cometida do preso contra o preso! Por isso que os LSNs tiveram que manter o seu comportamento e levar esse comportamento para a massa carcerária numa forma de enfrentamento aos Jacarés! Um grupo temia o outro e, ocorreu em mil novecentos e setenta e nove, uma tentativa de fuga dos LSNs e essa tentativa de fuga foi denunciada pelos Jacarés. E aí foi um massacre, porque toda a massa carcerária ficou ao lado dos LSNs. Então as baixas só foram do lado dos Jacarés. Esse episódio do extermínio dos Jacarés em Ilha Grande ficou conhecido como “A Noite de São Bartolomeu Brasileira” porque o diretor do Presídio de Ilha Grande, Nelson Bastos Salmon - que nomeou - que se refere ao massacre dos Católicos contra os Protestantes. O Nelson Bastos Salmon sabia que alguma coisa ia acontecer, só não sabia quando! Então, numa alvorada, ocorreu esse justiçamento praticado pelos LSNs contra os Jacarés. Num período a seguir, depois desses justiçamentos, os sobreviventes dos Jacarés foram transferidos para as unidades prisionais do Continente e os LSNs passaram a reinar em Ilha Grande! A segunda galeria passou a dirigir Ilha Grande. Quando os LSNs passaram a reinar em Ilha Grande uma das coisas que atrapalhavam muito as fugas, eram as alcaguetagens dos presos que denunciavam as coisas! Nesse período, os guardas ficaram extremamente fragilizados, porque os Jacarés eram os seus principais informantes no combate à fuga e o tráfico de drogas dentro da cadeia. Então, nenhum preso queria burlar! “Por que vou ajudar os guardas, se os LSNs mudaram a nossa vida?” De setenta e nove a, mais ou menos, oitenta e um, foi um período de muitas fugas de Ilha Grande, justamente por causa da fragilidade dos guardas por não terem mais os seus informantes e, ao mesmo tempo, ficavam com medo de as violências que eles cometiam até então, eles ficaram receosos de manter essas práticas porque, pela primeira vez na história, a massa carcerária estava unida. Alguns LSNs morriam nessas fugas e os que chegavam ao Continente, quando iam assaltar banco, a polícia endureceu e muitos foram eliminados! Então algumas coisas simultâneas aconteceram para que os traficantes assumissem a liderança da segunda galeria em Ilha Grande.

ANFITRIÃO:

Ao longo de sua pesquisa, que diferenças e semelhanças você encontrou na estrutura e na ideologia do Comando Vermelho e do Terceiro Comando?

CONVIDADO:

O lema do Terceiro Comando é: “viva e deixe viver.” Do Comando Vermelho; eu não lembro se tem algum slogan mas é: “morte aos inimigos.” Tanto que não ocorre, você, do ADA ou do Terceiro Comando, “pular” para o Comando Vermelho, mas, o contrário já aconteceu muitas vezes! Várias pessoas “pularam” do Comando Vermelho para essas facções, até que ocorreu o episódio do “Rogério 157” que, ali, foi alguém da ADA “pulando” para o “Comando Vermelho”. Quem acompanhou a história do “157” percebe que, no primeiro momento, ele tentou negociar com o Terceiro Comando. O Terceiro Comando não é um aliado do ADA, mas, também não é um inimigo! Eles convivem pacificamente! Quando o Rogério procurou o Terceiro Comando, o Terceiro Comando falou: “não! Não vamos nos meter nessa guerra, porque a gente vai ganhar uma inimizade com o ADA! Isso é um problema deles, deixa que eles resolvam!” Eu acho que o Terceiro Comando imaginou que o Comando Vermelho nunca ia entrar nessa guerra! Só que o Rogério 157 conseguiu negociar com a galera do Comando Vermelho e, realmente, ele pulou! Eu acho que esse é o primeiro momento da história que alguém de uma outra facção pula para o Comando Vermelho! Quando houve esse “pulo”, que o Comando Vermelho entrou de fato naquela guerra, a Rocinha ficou dividida: metade era ADA, metade era Comando Vermelho! Comando Vermelho investiu pesado naquela guerra, que ele tomou o outro pedaço da Rocinha e já invadiu a mata e tomou o Vidigal. E, hoje, nós temos as facções criminosas, falando de uma maneira geral, adotando prática de milícia: vendendo água e gás dentro da comunidade, TV a cabo! Quando as facções surgiram, nunca se imaginaria que em algum momento elas adotariam práticas de milícia!

ANFITRIÃO:

Honoráveis Ouvintes! antes da próxima pergunta, faremos uma pausa neste conteúdo! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião, convidando-os para, na próxima semana, acompanhar a segunda parte da entrevista com Fábio Samu, abordando a obra de autoria dele, “A Gênese das Facções Criminosas: Comando Vermelho e Terceiro Comando.” Quer saber mais sobre este conteúdo? Acesse nosso website, inscreva-se e compartilhe nosso propósito. Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!

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