Na esteira da Série QUESTÕES RACIAIS NA SEGURANÇA PÚBLICA E JUSTIÇA CRIMINAL NO BRASIL, concluo a entrevista com o advogado ELIZEU SOARES LOPES, explorando as reflexões dele acerca da necessidade de investimentos em políticas públicas de Estado para o combate às desigualdades raciais no Brasil.
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Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje, na sequência da Série "Questões Raciais na Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil", finalizo a entrevista com Eliseu Soares Lopes, Ativista de Direitos Humanos e do Movimento Negro, atual Assessor de Participação Social e Diversidade do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em Brasília.
Retornando ao nosso tema, Dr. Eliseu, qual a sua opinião sobre o estabelecimento de canais de comunicação direta entre a polícia e as comunidades afetadas pela violência racial, para promover a confiança mútua e a prestação de contas?
CONVIDADO:Eu acho que essa é uma questão bastante importante!
A polícia não pode ser vista como inimiga da população! E, para se estabelecer essa relação, o contrário, também, é verdade: a população não pode ser vista como inimiga da polícia! A atividade criminosa é que precisa ser enfrentada pela atividade policial, dentro da legalidade, ou seja, o sujeito que cometeu algum tipo de delito, se for pego, tem que ir para a autoridade policial, ser processado, ser julgado e pagar pelos seus crimes.
O que nós não podemos é o fato de que as pessoas morem em lugares de maior vulnerabilidade -não por culpa delas, mas por culpa dessas desigualdades na construção do Estado brasileiro- elas não podem sofrer sanção pelo fato de serem pobres! Pelo contrário! É preciso pensar que a grande maioria da população brasileira são pessoas trabalhadoras, pessoas que "dão duro danado" para manter suas famílias, mesmo com as dificuldades, mesmo com a violência! Porque a violência das populações mais pobres é uma violência racial!
Então ela não pode ser penalizada por isso! Precisamos construir uma relação de confiança da população com a polícia e da polícia com a população. Portanto, é preciso fazer distinção entre quem comete crime que não comete crime. O fato de ser pobre não significa que a pessoa é uma criminosa! O fato de ser preto não significa que a pessoa seja criminosa! Promover a confiança mútua requer um novo paradigma de comportamento da polícia com os cidadãos. Requer que a polícia seja uma polícia comunitária, uma polícia que esteja próxima do cidadão, que busque se relacionar com as comunidades. Então, essa relação não pode ser de desconfiança, uma relação de hostilização de parte a parte! Comunicar é muito importante para estabelecer essa visão dialógica, uma nova visão sistêmica da atividade policial. Eu tenho impressão que as boas práticas da relação polícia com o cidadão devam ser muito mais trazida à baila, ser muito mais objeto de propaganda de que os efeitos de confronto, de conflito. Porque, na verdade, as maiores ações não são as conflituosas! E por que é que na comunicação se coloca, se privilegia mais esse tema? Isso cria, digamos assim, no imaginário da população, uma ideia de não pertencimento, uma ideia de que a polícia só vai na comunidade para reprimir! Eu acho que essa pergunta, sobre a comunicação direta das polícias é preciso ser visto, revisto, e isto impactar os canais de propaganda da atividade policial! Mais harmonia com a população, que, aliás, é o que mais acontece! Mas, infelizmente, as ações negativas ou as ações que às vezes criam repulsa da sociedade, elas são muito mais mostradas! Uma polícia que pensa o cidadão, uma polícia que pensa na cidadania e isso inclusive legitima quando a polícia tiver que fazer a repressão, porque é papel da polícia fazer repressão! Está na Constituição! Mas, essa repressão tem que estar arquitetada na lei, tem que ser proporcional à medida do crime ou da conduta porque, quando ela extrapola na sua condição, certamente, não se trata mais da atividade policial. Ao extrapolar, está se cometendo um crime e o crime não condiz, não coaduna com a boa atividade policial!
ANFITRIÃO:No campo da ação política, na sua visão, quais são as principais proposições que respondem ou responderiam ao quadro de violência racial no Brasil?
CONVIDADO:Foram várias as iniciativas de políticas públicas importantes que enfrentou o problema das desigualdades, que responderam ao quadro de violência racial no Brasil. Talvez o mais importante seria o conceito constitucional de que todos são iguais perante a lei! Parece que é uma redundância, mas isso é importante porque, a partir daí, da Constituição de mil novecentos e oitenta oito, pela primeira vez no Brasil, observou-se políticas públicas, que, de fato enfrentou o problema das desigualdades do Brasil, da pobreza extrema, que invariavelmente está relacionada à população negra, pelas razões que nós já abordamos nas respostas anteriores e pela trajetória da construção da história do Brasil, um país em que quase dois terços viveu sob o flagelo da escravidão! Mas teria aqui algumas questões que talvez fossem importantes lembrar: a primeira; a valorização do salário-mínimo que se experimentou nos últimos anos. O pesquisador Márcio Pochmann, ao tratar sobre o problema que aqui no Brasil se verificou alguns anos atrás sobre a chamada nova classe média que passamos a ter nas paisagens brasileiras chamada classe C, D. Ele levanta que não se trata, digamos assim, de uma nova classe média conceitualmente, mas se trata de que, pela primeira vez no Brasil, nós tivemos a política de resgate do salário-mínimo e que isso impactou, impacta, sem dúvida nenhuma, a vida da população pobre e, por conseguinte, da população preta! Talvez, esse é um programa de política que tem que ser permanente para o Brasil, considerando que quase a totalidade, mais de 80% da população negra, da população preta no Brasil vive de um salário-mínimo, sobretudo em famílias chefiadas por mulheres! O segundo; talvez uma das mais eficazes e eficientes políticas, foi a política de ação afirmativa nas universidades, as cotas nas universidades federais, nas universidades públicas. Hoje, estima-se que, inclusive a população pobre, a população de periferia, a população preta nas universidades, já são maioria! O que revela, faz jus, inclusive, às condições geográficas da população brasileira! Nós somos mais de 52% da população e, ter isso refletido nas universidades me parece que é uma política pública importante! Também, ao lado da política de cotas nas universidades, políticas de ação afirmativa no serviço público! Nós temos um debate, hoje, sobre cotas no serviço público sendo debatido no Congresso Nacional, inclusive, com preocupação! Vemos com preocupação, porque existem questionamentos quanto a essa política, que foi muito efetiva! Foi muito importante para reequilibrar um pouco, mitigar um pouco os efeitos da desigualdade no Brasil! A própria lei, o Estatuto da Igualdade Racial, que procura dar diretrizes para todo conjunto do Estado, de como enfrentar o problema do racismo estrutural, o racismo institucional, sem dúvida nenhuma, é uma grande conquista! A Lei 10 mil, 639, que preconiza que esteja inserido no ensino, a história do negro, a história da África no Brasil como uma política de ação afirmativa, de valorização da população negra, do ponto de vista histórico, do legado para o mundo na ciência, na arte e na construção do Estado brasileiro. É claro que essas políticas, elas têm que ser estruturais. Elas não podem ser sazonais. Elas precisam ser políticas de Estado, porque o legado negativo da formação do Estado brasileiro é muito amplo! E, no que diz respeito à segurança pública, temos algumas experiências interessantes: a preocupação, por exemplo, de você ter uma segurança pública mais cidadã, de pensar a política de segurança pública por um viés que não seja só do enfrentamento, um viés que seja de relação, de correlação com a população, envolvendo a população, inclusive, no "mandamus” constitucional que é: a segurança é um dever de todos! E como você fazer isso nas comunidades que são vulneráveis? Então, uma política importante que nós vivenciamos no passado e retomou, agora, no Brasil, que é o PRONASCI, que é exatamente você pensar, ligar a parceria das instituições de segurança pública com a população, criando outros diálogos, outras formas de apresentar, por exemplo, ao mundo, uma cultura de paz envolvendo as pessoas para práticas importantes de cultura, tendo o cenário onde a atividade policial se realiza, você ter como política pública, também, eventos que possibilite uma reflexão sobre ser cidadão, da busca da cidadania! Ter uma oportunidade para formação dos jovens que veem na política de segurança pública, também, elementos para ser um cidadão melhor e, sobretudo, de escuta, de ele ser visto como uma pessoa merecedora da atenção do Estado. Essas iniciativas são fundamentais para pensarmos em respostas objetivas do Estado para pôr um fim na violência no Brasil, na violência racial no Brasil!
ANFITRIÃO:Como o crescimento da população encarcerada no Brasil está relacionado ao encarceramento de negros? Há políticas públicas vigentes capazes de reverter tal quadro?
CONVIDADO:O crescimento da população carcerária, ou melhor, encarcerada no Brasil, preocupa! Nós estamos falando em quase, sem dúvida nenhuma, quase 1 milhão de pessoas! Nós precisamos saber o que queremos com isso! Porque, quanto mais se encarcera,
mais temos pessoas por ser encarceradas! Será que não é o caso de pensarmos no quanto a nossa política criminal e política penal, de fato, tem sido eficiente para tratar desse problema? Nós vimos agora, recentemente, iniciativa no Congresso sobre o problema das drogas. O Supremo Tribunal Federal estava debatendo, discutindo uma medida sobre o que é consumidor, o que é traficante e, infelizmente, temos visto um retrocesso do ponto de vista do problema das drogas aqui no Brasil. Tratar o problema das drogas, simplesmente, como um problema é um erro gritante!
É preciso pensar um pouco sobre a eficiência dessa política. Penso que descriminalizar entre o usuário e o traficante é fundamental! Primeiro, para que isso impacte, inclusive, sobre a política carcerária no Brasil. Mas, sobretudo, talvez seja a pista para enfrentar o problema do porquê que a juventude, ou uma boa parcela, acaba indo para o mundo das drogas. São várias as discussões, são várias formulações acadêmicas, estudos sobre essa questão, mas, o fato concreto é que isso impacta sobremaneira o sistema de segurança, os orçamentos!
E, evidentemente, se nós olharmos o sistema prisional, a maioria da população encarcerada é a população de negros! Indubitavelmente, esta não é uma razão, mas a razão principal da razão econômica! É o flagelo econômico! É a desconfiguração das estruturas familiares! É a falta de perspectiva, o trabalho, enfim, esses lugares vulneráveis dão espaços para a atividade criminosa, para a atividade paralela e, infelizmente, uma parte desses jovens são seduzidos para serem, digamos assim, serem soldados dessas facções criminosas e que não enxergam outras possibilidades. Essas possibilidades precisam se apresentar de forma muito concreta! A possibilidade de dignidade dessas famílias serem vistas, atendidas com política pública, escolas que estimulem esses jovens a buscar outros caminhos, políticas sociais que procurem enfrentar as desigualdades, essas mazelas. Talvez, seja, digamos assim, um caminho para enfrentar o problema do encarceramento que existe. Evidente que eu não quero dizer que as pessoas que vão para a atividade delituosa que se justifica, é claro que não tem justificativa! Mas, essa ação não pode ser fruto, só, da vontade individual de uma pessoa ou de outra pessoa. Ela tem que ser uma política sistêmica de Estado para enfrentar essas desigualdades.
ANFITRIÃO:Chegando ao final de nossa conversa, agradeço imensamente pela sua colaboração, doutor Eliseu. Desejo sucesso na sua missão e deixo este espaço para suas considerações finais. Fraterno abraço.
CONVIDADO:Penso que a reflexão que o senhor aqui, com as perguntas, com as indagações, com as reflexões que me fez aqui durante esse podcast, é um cabedal de questões que são enfrentadas, mas que precisam ser refletidas. Que precisam sair do campo da academia, que precisam tomar corpo nas decisões de políticas públicas do nosso país. Por isso eu queria agradecer! Obrigado pela oportunidade e dizer que nós precisamos construir uma sociedade onde as pessoas não sejam vistas pela cor da sua pele, onde as pessoas não sejam recriminadas, inclusive, pela cor da sua pele. Que as pessoas não sejam recriminadas pelo fato de morar em um lugar de maior vulnerabilidade, numa favela ou em qualquer lugar! Que as pessoas sejam respeitadas enquanto pessoas, enquanto seres humanos! Muito obrigado!
ANFITRIÃO:Honoráveis Ouvintes! Este foi mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje, na sequência da Série "Questões Raciais na Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil", conversei com o Assessor de Participação Social e Diversidade do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Dr. Eliseu Soares Lopes. Acesse nosso website e saiba mais sobre este conteúdo! Inscreva-se e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!