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MULHERES EM SITUAÇÃO DE PRISÃO. PARTE I
Episode 691st March 2024 • Hextramuros Podcast • Washington Clark dos Santos
00:00:00 00:21:29

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Shownotes

Na pretensão de lançar luzes e melhor compreender o crescente número de mulheres encarceradas em nosso país, entrevisto a policial penal e psicóloga MÔNICA PINTO LEIMGRUBER, abordando o conteúdo de pesquisa realizada por ela, publicada sob o título “Perfil psicossocial de mulheres em situação de prisão – questão de gênero”, a qual, passados mais de 12 anos de sua publicação, requer, ainda, cuidadosa atenção, visando à implementação de políticas públicas que resultem no decréscimo de tais números!

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Transcripts

ANFITRIÃO 0:14

Honoráveis ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros Podcast! Sou o Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! Na pretensão de lançar luzes e melhor compreender o crescente número de mulheres encarceradas em nosso país, no episódio de hoje, entrevisto a policial penal e psicóloga Mônica Pinto Leimgruber, abordando o conteúdo de pesquisa realizada por ela, publicada sob o título "Perfil psicossocial de mulheres em situação de prisão. Questão de gênero.", a qual, passados mais de 12 anos de sua publicação requer, a meu ver, ainda, cuidadosa atenção, visando à implementação de políticas públicas que resultem no decréscimo de tais números.

Com meu cordial agradecimento, Doutora Mônica, dou-lhe as boas-vindas e peço que se apresente, por favor!

CONVIDADA 1:23

Olá, meu nome é Mônica! Sou psicóloga há 21 anos no sistema prisional do Mato Grosso do Sul. Tenho uma atuação, também, muito importante com esses estudos da criminalidade organizada e tive oportunidade, ao longo dos anos, de lançar alguns livros com essa temática do sistema prisional. Uma delas é a que estamos aqui para falar, que é sobre essa mulher encarcerada, um assunto que muitas vezes esquecido por muitas pessoas da sociedade e, talvez, nem pensado, em um assunto tão pontual e, ao mesmo tempo, tão grave, de um grupo, de um certo grupo, de determinado grupo, por serem mulheres.

ANFITRIÃO 2:11

Quais são as principais diferenças entre as histórias de prisões de mulheres e de homens, de acordo com o seu estudo?

CONVIDADA 2:21

A história desse encarceramento de mulheres no Brasil, até hoje, conta com pouquíssimos registros. E, no que a gente vai observar, desses estudos disponíveis, o sentido da pena continua sendo reproduzida historicamente com essa mesma orientação do que os outros países, que é o encarceramento de pessoas pobres e essa reprodução do domínio masculino no cárcere. Inicialmente, as mulheres eram alojadas também com os homens, porque o universo era muito pequeno e, somente no final do Século XVIII para o início do século XIX que houve essa questão do aprisionamento de mulheres, especificamente em presídios designados às mulheres. Só que esses presídios, a dinâmica deles e a estrutura deles era a mesma dinâmica das prisões masculinas, porque foram de qualquer forma idealizados como prisões para homens seguindo esse mesmo sentido e esse mesmo critério, não observando o universo feminino diferenciado desse universo masculino e a própria estrutura de corpo da mulher, mesmo, que apresenta muitas diferenças. E essa desatenção toda que houve com essas necessidades das mulheres, e que ainda há, dessas mulheres presas, faz com que vários presídios femininos de muitas cidades pelo Brasil são vistos como unidades, assim, de segunda linha: vai fazendo como se fossem aqueles "puxadinhos" para colocar essas mulheres presas! É claro que a gente ainda carece muito de mais estudos e, muito mais, de prisões específicas, com estruturas específicas, para esse universo que é pouco, mas que existe!

ANFITRIÃO 4:08

Como as privações sócioeconômicas influenciam a vivência ambiental das mulheres em situação de prisão e o que caracteriza as mulheres em situação de prisão como uma população de "segundo plano"?

CONVIDADA 4:25

O próprio sistema prisional é um sistema seletivo para pessoas que tem, em geral...que são apartadas de uma sociedade e têm uma privação de sócioeconômica elevada! Então, só por isso, a gente vai ter tipos de pessoas que cumprem pena. A prisão, a gente sabe que não foi feita para todos! As próprias concepções sobre a questão de imputabilidade de homens e mulheres refletiram tanto na forma como nas penas aplicadas, como também nessas condições físicas das prisões oferecidas para as mulheres a cumprir as suas penas. Então, a mulher acaba sendo duplamente discriminada: por ser mulher e por ter rompido com esse modelo inferiorizado que a sociedade impõe, que era o modelo de que, quem comete crime, quem comete um delito é o homem! E esse é um espaço mais reservado, teoricamente, para esse homem. E, aí, a mulher passa a assumir esse lugar de violadora de uma ordem que é estabelecida por uma sociedade. Passa a ser, então, um agressor. E essa desatenção toda com essas necessidades da mulheres que cometem crimes e são presas, se reflete mesmo na própria estrutura das unidades femininas que temos, que, em muitos lugares, você observa como uma estrutura de segunda linha, uma estrutura que fica em segundo plano, porque, embora a população feminina, a gente sabe que a população feminina é bem inferior à masculina, as mulheres têm problemas que são muito próprios, de gênero mesmo, como é a questão de amamentação, a questão de fihos, de se gerar filho, de TPM, algumas coisas são muito próprias do gênero feminino! E essas problemáticas vão, cada vez mais, realçando nesse sistema prisional, mas que, ainda, nós estamos muito longe de resolver essas questões de gênero, quando se aplicam à penas.

ANFITRIÃO 6:35

Quais são as experiências e significações negativas que levam à ausência de oportunidades edificantes para a maioria das mulheres em prisões?

CONVIDADA 6:48

A própria dinâmica familiar das mulheres que foram estudadas é uma dinâmica familiar muito desestruturada, que você observa um desenvolvimento infanto juvenil muito prejudicado, da oportunidade de escolaridade, por exemplo! Tem mulheres que não têm qualificação profissional, que passaram por questões graves de violência sexual doméstica, de violência física - a própria violência psicológica! E tudo isso vai gerando mais um meio, para que essas mulheres estejam nesses ambientes de privações da liberdade. Com esse universo masculino, também, é dessa forma, mas, a gente sabe que, por exemplo, a violência sexual é muito mais acometida com mulheres, desse universo de mulheres do que o universo de homens! Então, tudo isso a gente tem que pensar mesmo! Se essas pessoas estão tão desprovidas dessas questões que são muito básicas, por exemplo, que deveriam inclusive ser muito básicas, como a oportunidade de estudo, de uma qualificação profissional, então, a gente tem que pensar, enquanto sociedade, tem que pensar o que pode ser feito! Precisa sim, mesmo, cada vez mais, de políticas públicas que sejam adequadas a esse universo feminino, porque o que a gente, depois, vai observar é a desmotivação dessas mulheres de qualquer pretensão de ascensão dentro de uma sociedade.

ANFITRIÃO 8:20

De que forma a dinâmica familiar desestruturada impacta a vida das mulheres em situação de prisão?

CONVIDADA 8:30

Esse ambiente familiar, quando ele é desestruturado, vai possibilitar, muito mais, para que as pessoas que estejam nesse meio se envolvam com questões mais voltadas, até, para a criminalidade! Por que, dentro desse estudo, várias mulheres me falaram que elas buscavam uma sobrevivência dentro de uma ordem econômica com a questão da prostituição, que buscavam lidar com as suas dores no alcoolismo e, até, na questão da droga! E, conhecendo esse mundo, esse ambiente, passavam até por uma questão de iniciar o crime no próprio tráfico de droga, porque elas acabavam não tendo muita perspectiva de futuro e nem desejando nenhum tipo de inserção laboral que fosse mais diferenciada pela própria dificuldade dessa escolaridade, como eu fui falando na questão anterior. E isso vai fazendo com que se inicie em pequenos furtos, em pequenos delitos, mas que se chegue de ir isso ou ao próprio tráfico de drogas! E aí elas vão estar dentro dessa prisão! E quando estão dentro da prisão, acabam tendo que ser submetidas, também, a algum tipo de trabalho, às vezes, mais inferiorizado, porque não tem nem alguém da família que vá lá fazer uma visita.E elas acabam fazendo todo tipo de serviço, também, dentro do sistema e, inclusive, algumas coisas que são ilícitas, para poder sobreviver a essa vida no próprio sistema prisional!

ANFITRIÃO:

Como o desenvolvimento infanto juvenil influencia essas mulheres e de que maneiras o baixo campo intelectual, a desqualificação profissional e a violência sexual doméstica afetam a vida dessas mulheres?

CONVIDADA:

Essas problemáticas vão influenciar de forma muito negativa na vida dessas dessas mulheres. Porque elas ficam desmotivadas nesse processo todo de ascensão social, de se querer algo dentro de uma perspectiva de uma sociedade. E vai também apresentar alguma características de personalidades muito propensas às questões de depressão, de instabilidade emocional, de ansiedade, tensão, baixa autoestima, dissimulação, fobia, culpa e vai debilitando essa saúde mental da mulher. Essas mulheres, principalmente as mulheres que sofrem essas violências, elas acabam tendo também algum prejuízo cognitivo, esse prejuízo da própria estrutura das funções mentais, e acabam não desejando estarem, nem almejando, uma qualificação profissional melhor, um engajamento educacional, porque não tiveram isso e entram para esses, começam, com esses pequenos delitos, com pequenos furtos, com envolvimento com droga, e acabam conhecendo pessoas também desse meio. A gente sabe que a maioria das mulheres presas, estão presas por essa questão do envolvimento de droga pelo próprio tráfico e levadas, principalmente, pelos seus companheiros, para o senhor ver o quanto isso vai prejudicar, vai afetar a vida dessas mulheres.

ANFITRIÃO:

O estudo menciona que as mulheres apresentam desmotivação no processo de ascensão social. Que aspectos de personalidade são indicados como propensos à depressão, instabilidade emocional e a ansiedade?

CONVIDADA:

Essa perspectiva futura é muito limitada! Foi o que eu consegui observar durante o estudo. Esses sintomas, todos, quando a pessoa está num aprisionamento, esses sintomas de depressão, instabilidade, ansiedade, todos esses outros que eu até falei na questão anterior, faz exatamente isso, com que a pessoa tenha uma visão muito enviesada de futuro. A depressão é uma tríade. Você tem uma tríade cognitiva toda enviesada! Essa visão de si é muito deturpada, muito negativa. A visão do outro é muito negativa e essa visão do mundo é muito negativa! Então, quando ela está nesse ambiente, que é um ambiente que não foi pensado para ela, não foi feito para ela, que é o ambiente do sistema prisional e cumpre sua pena mas, sabe que um dia vai sair, esse tempo acaba criando mais desordens mentais do que propiciando melhorias na vida. É muito diferente do que você tem na Lei de Execução Penal que, vai falar da importância de ressocialização, que a execução da pena é feita para se pensar uma ressocialização, quando você não tem nem questões estruturais, mesmo, uma estrutura pensada para o universo, você não tem o mínimo para essas mulheres! E isso vai atrapalhar, obviamente, essa qualidade de saúde mental, atrapalhando a qualidade da saúde mental e as mulheres entram num processo muito grande de desmotivação para qualquer tipo de pensamento futuro, o que acaba sendo muito ruim!

ANFITRIÃO:

O estudo destaca também que grande parte dessas mulheres buscou alternativas de sobrevivência na prostituição, no alcoolismo e no uso de drogas. Como esses comportamentos estão relacionados à trajetória criminal e quais as perspectivas futuras indicadas para essas mulheres em termos de inserção laboral e qualificação profissional?

CONVIDADA:

Respondendo esse comportamento, essa questão de alternativa de sobrevivência da prostituição, alcoolismo e drogas, até já falei um pouquinho sobre e foi, exatamente; a gente vai possibilitando à mulher entrar nessa trajetória criminal. Porque esse meio, elas foram conhecendo pessoas que ofereceram para elas, para "olha, eu te dou um dinheiro se você levar essa droga". Elas começavam pequenas essa questão, nesse ramo do tráfico de drogas, mas, é um meio que ofereceu a elas deixarem ou continuarem usando, mas também vender e algumas deixar de usar e vender droga. E está inserida essa questão do tráfico de droga e muitas delas, muitas delas, foram até formar suas famílias também com pessoas com homens que já estavam nesse meio criminoso do tráfico de drogas.

ANFITRIÃO:

O que significa ter uma incidência criminal primária para essas mulheres e como isso influencia a perspectiva de transformação?

CONVIDADA:

Esse estudo realizado comprovou que essas mulheres, em sua maioria, eram primárias. Elas não estavam ali como reincidentes criminais, como a gente observa muito no universo masculino onde, hoje em dia, a gente sabe que a maioria é reincidente criminal. O próprio sistema, se ele fosse pensado pra essa mulher, a possibilidade de se resgatar essa pessoa que cumpre pena é muito maior. Mas não é isso que a gente verificou que aconteceu ao longo dos anos e isso acabou impactando, não de forma positiva! Poderia ser uma forma positiva se as oportunidades fossem viabilizadas para essas mulhereso e se a própria estrutura do sistema fosse feita para esse universo específico da mulher. E aí, com essa influência negativa, não se havia uma perspectiva de futuro. Foram isso que elas foram falando e que, após tanto tempo de pesquisa, eu fui reencontrando essas mulheres. Elas voltavam para o sistema! Elas deixaram de ser primárias para serem reincidentes na criminalidade. A perspectiva de transformação também acaba sendo muito baixa, por que elas quando vão pra dentro de um sistema, se tem outras mulheres que já estão há mais tempo cumprindo pena, inclusive, esse ambiente acaba ensinando mais coisas, vendo mais coisas de crimes, sabendo como é e como se faz. Tem mulher que você observa que entra até com um linguajar de um jeito e sai de outro. Ela aprende a conviver naquele ambiente, muda até a forma de falar. Esse tempo de aprisionamento ele é significativo na vida de uma pessoa.E é por isso que, cada vez mais, tem que pensar numa política pública que seja mais adequada para que o cumprimento seja mais qualificado e o cumprimento da pena de morte tenha uma qualificação na vida dessa mulher que cumpre, que está ali, cumprindo a sua pena. Uma qualificação dentro da escolaridade, uma qualificação dentro dessas questões, dentro da própria profissão de se ter grupos temáticos. E a gente já mudou, muita coisa mudou, mas nós necessitamos caminhar muito mais para esse universo das mulheres que estão cumprindo suas penas, que estão em privação de liberdade!

ANFITRIÃO:

Como o reconhecimento do universo feminino como condição humana é dificultado para as mulheres encarceradas?

CONVIDADA:

As mulheres encarceradas vêm enfrentando há muito tempo um movimento muito grande de ausência expressiva desse Estado - Estado como nação - para pensar em coisas muito básicas para esse cumprimento de pena. E isso, todo anseio é de mudanças muito emergenciais. É claro que a gente, por saber desse ambiente, também, tão masculino, que é esse espaço de punição, e de exclusão e de materialização da própria criminalização do universo, que é, em sua maioria, de pessoas pobres, de pessoas com que têm muitas dificuldades socioeconômicas, a gente precisa, sim, estar se readequando e estar buscando possibilitar a esse universo que se tenha um maior engajamento dentro da educação formal, dentro desses ambientes profissionalizantes, que se tenha referência para essas mulheres, para essa população, que se tenha os seus direitos garantidos e o direito da própria mulher quando engravida e vai ter o seu filho. O direito da criança, também! Tem que pensar nisso como um compromisso de sociedade, um compromisso em que nós todos, juntos, saibamos que somos responsáveis por uma justiça social. Somos, sim, pessoas que somos responsáveis em pensar na efetivação de diretrizes que são apontadas dentro de qualquer movimento de política pública voltado à mulher em situação de prisão, para que a gente possa sim, extirpar de vez essa desigualdade de gênero que ocorre de forma muito grave dentro do ambiente penitenciário.

ANFITRIÃO:

Respondidas estas questões iniciais, voltadas em geral, para a identificação das causas, faremos aqui uma pausa, externando minha gratidão à Doutora Mônica e convidando aos Honoráveis Ouvintes para a sequência dessa entrevista, no próximo episódio, quando vamos explorar sobre os indicativos, propostas e implementações para as devidas políticas públicas. Até lá!

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