Honoráveis ouvintes! Sejam muito bem-vindos a um episódio mais que especial do Hextramuros! Sou o Washington Clark dos Santos, seu anfitrião!
No conteúdo de hoje, comemorando o Dia Nacional da Consciência Negra, tenho a honra de receber uma convidada que é um verdadeiro símbolo da luta pela justiça racial no Brasil, referência para mulheres negras e para toda a sociedade brasileira, hoje e todos os dias de nossa jornada pelo respeito e equidade:Diva Moreira!
Este episódio é uma homenagem, também, a Rosana Clark dos Santos, uma guerreira, inspiração e saudade!
Com respeito e gratidão por ter aceitado o convite enfeitando a este canal, dou-lhe as boas-vindas, Dona Diva!
Peço que contes um pouquinho de sua jornada pessoal e profissional e o que podemos esperar da leitura do livro "Justiça Racial e Reparações. O caminho para a democracia no Brasil":
Diva Moreira:É uma alegria muito grande estar aqui conversando com você, Washington, sobre temas da maior relevância, não apenas para a população negra do nosso país, mas para toda a sociedade brasileira! você me pede para falar um pouquinho sobre a minha jornada pessoal e profissional. É uma jornada riquíssima! Eu sou uma mulher de 78 anos e trabalhei muito em nosso país, desde antes da ditadura militar, para a criação de uma sociedade igualitária, justa, fraterna e verdadeiramente democrática! Eu comecei, ainda adolescente, no Colégio Estadual de Minas Gerais, uma experiência muito rica! Depois, eu fui morar num cortiço no Bairro da Serra, perto do Convento dos Dominicanos. Aprendi muito ali no convento. Foi outra experiência muito, muito rica!
Comecei a participar de grupos de jovens, comecei a participar da JOC, Juventude Operária Católica. Então, eu tenho uma experiência pessoal e profissional também, trabalhei durante 13 anos na Fundação João Pinheiro. Tenho uma experiência administrativa, de gestão pública, porque eu fui Secretária Municipal para Assuntos da Comunidade Negra, durante o período do prefeito Célio de Castro. Foi uma experiência riquíssima também! Nós estivemos à frente de um órgão que estava à disposição do nosso povo. Ficávamos em vilas e favelas, costumávamos chegar em casa meia-noite, por exemplo. Um trabalho de escuta, de acolhida e de implementação de obras. Não eram muitas, porque o dinheiro da secretaria era muito pouco, mas nós fizemos um esforço enorme para levar o que o poder público pode fazer de melhor para uma população. Nós fizemos o que havia de melhor, com certeza!
a República, ou seja, desde: Washington Clark dos Santos:Qual é a importância da representatividade das mulheres negras nos espaços de poder e decisão para a construção de políticas mais inclusivas no Brasil?
Diva Moreira:O que eu quero dizer, quando você me pergunta sobre a representatividade das mulheres negras nos espaços de poder: Não é ter mulher negra no poder, pronto, acabou!
Essa representatividade precisa ser ancorada, enraizada no meio social negro, no compromisso com a libertação, com a justiça em relação à população negra. São pessoas que devem ser nossas porta-vozes. Não é ter mulheres negras no poder, simplesmente. Se elas estiverem ali em nome de segmentos como seu partido político ou a sua igreja! O compromisso maior de uma mulher negra que está vinculada a nós não é com o partido político dela, é conosco!
Desde os Conselhos de Mulheres em São Paulo, na época do governador Franco Montoro, a nossa presença, mesmo que limitada, pequena, ajudou a trilhar os caminhos para avanços que vieram depois. Obrigou a militância a estudar, a produzir teorias contra-hegemônicas, a compreender que o feminismo branco não nos dizia respeito. Ou seja, alguns avanços a gente tem obtido, felizmente, com esta representatividade ampliada da nossa população. Hoje, eu tenho escrito esse livro, já tem quase 700 páginas, muito da produção com a qual eu lido, eu leio, eu cito, é de mulheres negras! Há 20, 30 anos atrás, eu não tinha à disposição, à minha disposição, essa riqueza de produção teórica das mulheres negras. Fico muito feliz!
Washington Clark dos Santos:Quais são os maiores desafios enfrentados pelas mulheres negras, tanto como profissionais quanto como indivíduos, para superar obstáculos advindos da estrutura patriarcal, sexista e machista da sociedade?
Diva Moreira: recentemente, que o Censo de:Ou seja, dobrou algo em torno de 5 milhões de população que moram em favelas. Com todas as precariedades, nós sabemos o que significa morar em favela: Correio não quer ir lá! Os leituristas de luz e água não querem ir lá! Saneamento básico!... Ah, claro, eu não vou falar o óbvio, nem precisa: que a maioria desta população, mais de 70% da população que mora em favelas e comunidades urbanas, são negras! São os chamados pardos e pretos que a gente soma e dá o conjunto da população negra em favelas e vilas. Olha aqui, são espaços totalmente distópicos! Ninguém aguenta viver num lugar com mau cheiro, com feiura! A gente quer viver em lugares bonitos! E aí tem, inclusive, problemas de falta de condições de dormir, porque é tudo muito grudado, uns barracões muito próximos uns dos outros, além da violência policial. O outro obstáculo que eu acho para enfrentar tantos desafios, como você perguntou, são as mulheres negras terem tempo para se preparar para as lutas políticas, o que implica em participar de movimentos sociais! É difícil a gente ter as mulheres participando dos nossos movimentos. A condução é cara, as pessoas chegam em casa cansadas. No final de semana, elas falam assim: eu aproveitei para arrumar minha casa, para lavar roupa. Como é que a gente vai achar que as nossas mulheres vão ter tempo para sair, para ir na manifestação? Porque as lutas políticas fortalecem as pessoas, oferecem às pessoas uma perspectiva de curto, médio e longo prazo. Não deixa a pessoa assim: "Ai, meu Deus, eu não vejo como sair disso!". Não deixa a pessoa num beco sem saída. Então, eu acho superimportante, estou superfeliz com essa luta contra a jornada 6x1 -no caso das mulheres negras, é 7x0- porque no final de semana, no domingo, tem que trabalhar arrumando as próprias casas. E aí, essa luta por acabar com essa jornada tão pesada é muito importante para nós, sabe? Sobre nós, mulheres negras, recaem essas múltiplas dominações que são intercaladas, uma puxa a outra! Mas Angela Davis fala que quando as mulheres negras se movimentam, toda a estrutura da sociedade se movimenta com elas. Eu acredito nisso! Eu faço uma aposta muito grande no movimento de mulheres negras, no movimento negro em sua totalidade também. E, com certeza, temos muito pela frente!
Washington Clark dos Santos:De que maneira a presença de lideranças negras influencia a percepção e o tratamento das questões raciais dentro das instituições e como a representatividade negra nas esferas de poder pode impactar a confiança e a legitimidade das instituições perante as comunidades afetadas pela discriminação racial?
Diva Moreira:Para falar a verdade com você, eu acho que a gente não chegou nesse estágio, não! A nossa presença nessas esferas de poder impactar a confiança e a legitimidade das instituições!
Você deve se lembrar, no ano passado, quando teve uma vaga no Supremo Tribunal Federal... A mulherada negra, o nosso povo em geral, não foram só as mulheres, não, mas a gente queria que fosse uma jurista negra, era uma vaga, inclusive, de uma mulher, a Rosa Weber. Nunca teve uma jurista negra no Supremo Tribunal Federal. E, diga-se de passagem, na história recente, só teve um único jurista negro no Supremo Tribunal Federal. Aí, nós falarmos de impactar confiança e legitimidade, sabe? Esse pacto da branquitude em se manter, sobretudo nessas instituições, com um poder enorme, com privilégios incríveis! Quando eu chego em Brasília e fico vendo aqueles prédios colossais, cada prédio mais, aquela arquitetura mostrando riqueza e poder. E, ao mesmo tempo, quando você vai olhar o segmento do poder judiciário, que está a serviço do nosso povo, que é a defensoria pública, os prediozinhos são acanhados, modestos! Em Brasília, eu nunca vi, para te falar a verdade. Então, veja só: A nossa presença em algumas instituições, eu quero te falar, brancos, há um tempo atrás, me chamaram para participar de uma roda de conversa, e a mulher negra falando como, sabe, está adoecendo o nosso povo. Era a única pessoa num cargo de gerência, como que cobravam desempenho, cobravam produtividade, cobravam isso, cobravam aquilo!
O nosso povo tem ido para essas instituições e o custo tem sido elevado. Assim, ganhado salário excepcional em comparação com seus pares, em comparação com outras pessoas de suas famílias. Agora, em geral, essas instituições, para não ficarem mal, usam a gente. Chama de "tokenismo", usa aquela mulher como um token, como um troféu! Não! A gente
Diva Moreira:tem sim, tem sim! Tem uma pessoa negra aqui, sabe? Tem uma pessoa negra aqui, que em geral fica mais isolada. E aí eles vão falar assim: "ah, mas é vitimismo de vocês! Por que você, sabe, não enfrenta? A gente não tem condição de enfrentar racismo 24 horas por dia, quase, claro, e todos os dias do ano! Isso, ninguém cobra do branco uma valentia tão grande, mas cobram de nós isso!"Não! Tem que enfrentar! Ou, então, se a gente enfrenta, podem dizer o seguinte: "está vendo? A gente traz essa pessoa pra vir para cá!...
Eu estou falando isso não por conjectura! Eu não esouô imaginando nada! Eu participo de "N" eventos com mulheres de todas as idades e as reclamações são as mesmas. As pessoas adoecidas, as pessoas sofridas, mesmo quando elas estão nesses espaços de maior prestígio social e de melhor remuneração financeira. E a outra coisa que eu gostaria de falar é a seguinte: mesmo a gente tendo ocupado espaços tão mínimos, tão acanhados, em instituições, mesmo assim, é como se a gente, se todos esses espaços fossem reservados para a branquitude.
Então, quando entra, igual as vagas nas universidades, quando entra um número pequeno de pessoas negras, às vezes é uma pessoa, e está trabalhando ali, vocês acreditam? Uma! Mas, antes, tinha zero! Começa toda uma campanha de desmoralização com os ataques ao chamado !identitarismo" e a tal da Agenda Woke! Eu nem sabia dessas coisas, nem de identitarismo1
A vida inteira, eu lutei pela construção de uma identidade negra, uma identidade com autoestima, com aquela felicidade de ser negra, olhando-se no espelho e feliz com o que via, sem negar o seu cabelo, sem ficar sonhando em se casar com uma pessoa branca para clarear o útero. Porque isso aí se falou para as nossas mulheres. Nós trabalhamos para a construção da nossa identidade, sim. Porque, em geral, as pessoas brancas não têm a mais pálida ideia do que a população negra passa em nosso país! Não têm a mais pálida ideia do que é uma criança negra ter que sair da escola pequenininha, porque não aguenta ofensas e injúrias raciais na escola! Eu, por exemplo, comecei a matar aula, eu devia ter o quê? Eu entrei na escola primária com seis anos e meio. Eu devia estar com sete anos e meio, oito anos, comecei a matar aula por razões raciais, humilhação racial, discriminação, grosseria em relação ao meu cabelo, em relação à minha cor. Aí, eu estava falando sobre isso numa entrevista na TV Assembleia, e a pessoa que estava comigo, sendo entrevistada também, o professor Rodrigo de Jesus, da UFMG, disse o seguinte, olha, Diva, minha filha tem cinco anos e teve problema de racismo na escola. Aí a gente é atacado, é atacado! Somos chamados de minorias, que não têm a compreensão de que o problema maior na sociedade brasileira é a classe social, a exploração de classe.
Washington Clark dos Santos:Caminhando para o final de nossa conversa, repriso os meus agradecimentos, desejando vida longa, saúde e sucesso na divulgação do seu livro. Deixo este espaço para suas considerações finais. Grande beijo.
Diva Moreira:Para terminar, eu quero dizer que a despeito de tudo isso que eu estou falando, que pode parecer muito muito pessimista e a diva não está vendo nada que presta no nosso país, eu quero dizer o seguinte, eu estou muito feliz com a pujança dos movimentos sociais negros, sobretudo dos movimentos culturais da juventude negra. Então, está havendo uma produção teórica muito boa, respeitável do nosso povo! No ano que vem, as mulheres negras vão fazer uma marcha em Brasília pró-reparações. Eu estou com muito cuidado trabalhando a agenda de reparações para dar a minha contribuição. Você está aí, sabe, com o seu podcast, tratando das questões raciais. Então, a despeito da imobilidade da estrutura racial no Brasil, como é rígida, como é difícil da gente quebrar essa estrutura racial, o nosso povo tem produzido muitas mudanças. E, com certeza, com certeza, não daqui a 100 anos, mas daqui a uns 20 anos, por exemplo, nós vamos ver transformações fundamentais, transformações extraordinárias no Brasil. Muito obrigada, Washington, pela oportunidade. Fique bem e, a todos os ouvintes do seu podcast, que neste 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, nós possamos oferecer para o nosso povo tudo que o nosso povo merece: Justiça, igualdade e fraternidade! Grande abraço!
Washington Clark dos Santos:Honoráveis Ouvintes! Este foi o episódio especial do Hextramuros, em comemoração ao Dia Nacional da Consciência Negra. Neste conteúdo, conversei com Diva Moreira, ícone da representatividade da mulher negra brasileira.
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