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Os Riscos às Infraestruturas Críticas Brasileiras.
Episode 3128th May 2023 • Hextramuros Podcast • Washington Clark dos Santos
00:00:00 00:18:16

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Shownotes

Washington Clark dos Santos



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Transcripts

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ANFITRIÃO: Honoráveis Ouvintes!

Sejam muito bem-vindos vindos a mais um episódio do Hextramuros Podcast!

Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião!

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Entre os dias seis e oito de dezembro de 2022, ao comparecer à 7ª Mostra da Base Industrial de Defesa do Brasil,relevante evento da área de defesa e segurança do país, realizada pela ABIMDE - Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança, em Brasília, na companhia de Leonardo Barros, presidente da empresa de tecnologia Hex 360, conheci o Engenheiro Júlio Shidara, atual presidente da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil, o qual, em rápido diálogo, verbalizou sobre preocupações que possui acerca do estágio atual do segmento que representa. Diante do relato, surgiu a solicitação para que ele pudesse expor tais preocupações neste canal, tendo eu a satisfação de, neste momento, dar-lhe as boas-vindas, agradecendo pela gentileza em aceitar o meu convite.

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Desta forma Presidente Shidara, na informalidade de nosso protocolo,

peço que se apresente e resuma as atribuições e objetivos da AIAB:

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CONVIDADO: Olá Doutor Clark! Muito obrigado pela oportunidade! É sempre muito importante para nós alcançar formadores de opinião como aqueles que constituem a sua audiência. Sou o Coronel Engenheiro da Reserva da Força Aérea Brasileira, graduado em Engenharia Eletrônica pelo ITA em mil novecentos e oitenta e seis e atuei a maior parte de minha carreira profissional em projetos de modernização da FAB. Passei para a reserva em dois mil e onze e, desde dois mil e dezenove, sou presidente da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil, AIAB - entidade nacional de classe, que congrega e representa as empresas brasileiras que atuam no setor aeroespacial, promovendo e defendendo seus interesses e objetivos comuns, tanto no Brasil quanto no exterior.

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ANFITRIÃO: Considerando a grande influência de soluções e equipamentos do segmento aeroespacial no nosso cotidiano, seja para lazer ou atividades profissionais, a que riscos estamos submetidos hoje, face à dependência brasileira desses temas, controlados por outros países?

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CONVIDADO: É verdade, numa entrevista a um canal americano, o General Reymond, o Comandante da Força Espacial dos Estados Unidos disse: "não existe praticamente nada que façamos como cidadãos deste mundo que não tenha vínculo com o espaço!" Segundo o canal Bloomberg, quatorze, veja bem! Quatorze, de um total de dezesseis sistemas inteiros de infraestruturas consideradas críticas pelo Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos deixariam de operar plenamente se houvesse um problema com o sistema GPS. Creio que o cenário não seja diferente no Brasil, de maneira que, em caso de problemas com esses satélites, o Brasil deve enfrentar sérios problemas em suas infraestruturas críticas e não ter a capacidade de, por meios próprios, prover serviços essenciais básicos ao seu cidadão, como energia elétrica, comunicação, internet, serviço bancário, transporte aéreo, dentre outros.

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ANFITRIÃO: Quais as finalidades e a importância dos satélites de baixa órbita e quais as implicações para o Brasil, decorrentes de sua ausência da relação de países possuidores de capacidade de lançamento de satélites de baixa órbita?

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CONVIDADO: Independentemente de sua órbita se baixa média geoestacionária, polar ou equatorial, satélites podem ter diversas aplicações, como comunicação de voz e dados, observação da terra, navegação, entre outros. Cada combinação de uma dessas aplicações em órbita possui características próprias. Atualmente, a grande maioria dos satélites estão em órbita, com a elevada inclinação orbital, que é o ângulo que o plano orbital forma com o plano do Equador. Isso, porque a maior parte deles foi lançada para atender necessidades de que se encontrem em latitudes elevadas. A latitude de Nova Iorque, por exemplo, é de quarenta graus. Londres: cinquenta e um graus. O Brasil, por ter grande extensão territorial em torno do Equador, teria suas necessidades melhor atendidas com satélites em órbitas de baixa inclinação na área de lançadores, um país necessita ter a capacidade de acesso independente ao espaço. A frase do comissário Breton, da Comissão Europeia, traduz a importância dessa capacidade. Ele diz que não existe política espacial crível, sem acesso independente ao espaço.

Não por acaso, desde seu início, o Programa Espacial Brasileiro adotou a MECB - Missão Espacial Completa Brasileira, contemplando a capacidade de lançamento de satélites. É muito bom que empresas como a Space X estejam barateando o lançamento de satélites. Contudo, você fica condicionado à disponibilidade de janela de lançamento deles, o que pode ser demorado e nem sempre atender às necessidades do país.

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ANFITRIÃO: Que vantagens e benefícios o Brasil teria com o alcance de tal capacidade? A base industrial aeroespacial brasileira existente é capaz de reverter tal cenário?

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CONVIDADO: O maior benefício seria a conquista de autonomia, ou seja, a não dependência de terceiros países ou, ao menos, a mitigação dessa dependência para atender às necessidades da sociedade brasileira. A história da humanidade revela que relações geopolíticas sofrem alterações significativas ao longo do tempo. E ninguém pode garantir que o Brasil sempre terá acesso a veículos estrangeiros para lançar seus satélites. Com investimento adequado, a indústria espacial brasileira é capaz de colocar o Brasil no reduzido rol de países com capacidade de acesso independente ao espaço. Quando o programa espacial brasileiro for adotado como programa do Estado brasileiro, com comprometimento de alocação de recursos, em cerca de uma década, o Brasil também será protagonista no cenário global, como ocorre hoje com a respeitada indústria aeronáutica brasileira, especialmente em virtude dos diferenciais dos nossos recursos humanos. O atual edital da Finep de subvenção econômica para desenvolvimento de um lançador de pequeno porte é um importante primeiro passo nessa direção.

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ANFITRIÃO: As medidas necessárias para que o Brasil se capacite para tal são de curto prazo? Os recursos humanos disponíveis no Brasil possuem domínio do conhecimento para a efetivação dessas medidas?

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CONVIDADO: Existem medidas de curto, médio e longo prazos para que o Brasil conquiste autonomia nas áreas de satélites e de lançadores. Curto prazo, para aquelas tecnologias em que já existe elevada maturidade tecnológica no Brasil e, longo prazo, para aquelas tecnologias mais incipientes. Para os dois editais da Finep, do satélite ótico, de observação de terra de alta resolução e do lançador de satélites de pequeno porte, a indústria espacial brasileira já possui grau suficiente de maturidade tecnológica para desenvolver os respectivos projetos, obviamente, em parceria com o setor público. O Brasil tem uma sólida formação de mão de obra qualificada para atuar no setor espacial. Só do setor público, são mais de oito instituições renomadas de ensino superior que oferecem o curso de engenharia aeroespacial. A Federal de Minas Gerais, de Santa Maria, a Federal do ABC, Universidade de Brasília, Federal de Santa Catarina, a USP, a Federal de Uberlândia e o ITA que, hoje, são marginalmente aproveitados em prol do Programa Espacial Brasileiro.

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ANFITRIÃO: Tal alcance demandaria alto investimento financeiro? Na sua visão, a parceria entre entes públicos e a iniciativa privada seria o meio para o alcance da melhor e mais rápida solução?

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CONVIDADO: Em termos absolutos, os investimentos em projetos espaciais são sempre elevados em todo o mundo. Segundo dados da consultoria EUROCONSULT, de dois mil e vinte e um, a Índia, por exemplo, país em desenvolvimento como o Brasil, investiu quase dois bilhões de dólares em seu programa espacial. Mesmo países sem a mesma tradição que possuímos no setor espacial, como Indonésia, Tailândia, Irã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Nigéria, Turquia e Argentina, apenas para citar alguns, investiram mais que o Brasil. O Brasil investiu cinquenta e oito milhões de dólares e a Argentina, por exemplo, cento e vinte e dois milhões. Mais que o dobro! Segundo a OCDE, em dois mil e vinte, o Programa Espacial Brasileiro teve o segundo menor orçamento entre os países do G-20 em termos de percentual do PIB. A Argentina, por exemplo, investiu cinco vezes mais que o Brasil e a Índia, dezesseis vezes mais. Em termos de atuação sinérgica entre as iniciativas pública e privada, temos muito o que avançar. A tão citada Tríplice Hélice de Inovação é um conceito bastante simples de compreender, mas, cuja implementação requer gestão competente, disciplina, renúncia, perseverança e determinação. Mas, os resultados que uma sinergia entre atores públicos e privados pode produzir são expressivos! Um outro caminho para avançar mais rapidamente são as parcerias internacionais, sempre com o envolvimento dos governos e respectivas indústrias espaciais.

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ANFITRIÃO: Está correta a interpretação de que investir na base industrial aeroespacial é propiciar meios para alavancar e proteger os recursos da educação, saúde e segurança pública? Por quê?

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CONVIDADO: Sem dúvida, hoje, a infraestrutura espacial faz-se onipresente! Quase todos os aspectos de nossa vida cotidiana dependem em alguma medida de infraestrutura espacial. E não apenas isso! A capacidade de geração de riqueza de um país é diretamente dependente de recursos proporcionados por satélites. Um estudo realizado por uma consultoria para o governo norte americano, revelou que uma interrupção do sistema GPS por trinta dias provocaria um prejuízo da ordem de trinta bilhões de dólares para a economia norte-americana, caso ocorresse numa época não crítica para a sua agricultura, e essa cifra subiria para quarenta e cinco bilhões de dólares - cinquenta por cento a mais - caso a interrupção ocorresse numa época considerada crítica para a agricultura. Nessa situação, quem pode garantir que impactos semelhantes ou até piores não ocorreriam também no Brasil?

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ANFITRIÃO: Qual a sua análise acerca da Lei de Licitações no que diz respeito às travas por ela geradas, para o desenvolvimento e a inovação tecnológica?

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CONVIDADO: Existe um artigo intitulado "De alfinete a foguete" que relata os prejuízos provocados pela aplicação indiscriminada dessa lei, seja para a aquisição de material de consumo pela administração pública ou para desenvolvimento de um produto tecnológico complexo, como a aeronave KC-390, da Embraer. Infelizmente passou-se muito tempo até que fosse criado um instrumento jurídico adequado às especificidades de desenvolvimentos que envolvam riscos tecnológicos. Foram mais de vinte e cinco anos, de mil novecentos e noventa e três, ano da criação da Lei de Licitações, até dois mil e dezoito, ano da regulamentação do Marco Legal da inovação, que criou a ETec - Encomenda Tecnológica, mas que, passados quatro anos, infelizmente ainda não foi adotada na dimensão que deveria pela administração pública. É fato que jamais saberemos ao certo os prejuízos imputados pela Lei de Licitações ao ecossistema de inovação brasileiro.

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ANFITRIÃO: Acreditas que a nova conformação do Congresso Nacional seja fator que possibilite que suas constatações ganhem eco e reflitam em iniciativas para a reversão do cenário atual? Como a estrutura governamental se posiciona acerca de suas preocupações?

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CONVIDADO: Independentemente da conformação do Congresso ou do Executivo, faz-se necessário um intenso trabalho de conscientização sobre a relevância estratégica da infraestrutura espacial. Para promover o desenvolvimento social e econômico do Brasil, o Programa Espacial Brasileiro deve ser alçado à condição de programa do Estado brasileiro, sem viés ideológico ou político partidário. É falso o paradigma de que países em desenvolvimento não devem investir em infraestrutura espacial. O exemplo da Índia dissipa qualquer dúvida que ainda possa existir com relação a isso. Satélites e aplicações espaciais permitem atender de maneira eficaz e efetiva necessidades típicas de países em desenvolvimento, como a Índia e o Brasil. Prioridade e alocação de recursos são aspectos absolutamente indissociáveis, de maneira que, se recursos não são destinados a um projeto, é porque ele não é considerado prioritário no conjunto de demandas existentes. O setor espacial foi oficialmente declarado estratégico para o Brasil. Se é estratégico, tem que ser prioritário. E, se é prioritário, tem que receber alocação de recursos! Creio que falte ainda aos tomadores de decisão a exata noção da dimensão da relevância da infraestrutura espacial para os interesses nacionais, especialmente de gerações futuras.

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ANFITRIÃO: Caro presidente, caminhando para o final da nossa conversa, agradeço novamente pela sua colaboração e esclarecimentos aqui prestados e coloco este espaço à sua disposição para suas considerações finais.

Muito obrigado e grande abraço!

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CONVIDADO: Eu considero que é questão de tempo o Brasil acordar e passar a investir adequadamente em sua infraestrutura espacial. Não existe outro caminho para um país continental e em desenvolvimento como o nosso. A infraestrutura espacial permite promover a inclusão digital de brasileiros nas mais remotas regiões do país, permitindo com isso seu acesso à teleducação, telemedicina, internet, internet banking, governo eletrônico, comércio eletrônico, telecomunicação, dentre vários outros serviços essenciais ao nosso dia-a-dia. Que a trajetória de êxito do setor aeronáutico brasileiro sirva de motivação também para o setor espacial. Os diferenciais dos profissionais brasileiros, notadamente suas flexibilidades, criatividade e engenhosidade, permitirão que sejamos protagonistas globais no setor espacial, num prazo que surpreenderá muitos incrédulos. É hora de partir para a ação e elevar a prioridade do Programa Espacial Brasileiro na agenda nacional pela próxima década, pelo menos. As futuras gerações de brasileiros agradecem!

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ANFITRIÃO: Honoráveis Ouvintes!

Este foi mais um episódio do Hextramuros Podcast! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião!

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Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!

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