Neste conteúdo, a primeira parte da entrevista com o Juiz Federal TIAGO AGUIAR, autor do livro AÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA EM TRIBUNAIS DE JUSTIÇA BRASILEIROS, da Editora D'Plácido, abordando aspectos dos entendimentos dos tribunais acerca do uso da arma de fogo.
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ANFITRIÃO 0:08
Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros Podcast! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! Excludente de ilicitude, no Direito Penal, é um mecanismo que estabelece a possibilidade de uma pessoa praticar um ilícito sem que este seja considerado como crime. Isto significa que um excludente permite que uma pessoa pratique uma ação que, normalmente, seria considerada um crime e não seja penalizado por ela. O Código Penal Brasileiro dispõe sobre as causas de exclusão de ilicitude e no inciso dois do artigo 23 está inserida a legítima defesa, fundamentada no fato de que o Estado não possui condições de oferecer total proteção a todos os cidadãos e em todos os lugares e momentos, permitindo assim que as pessoas se defendam quando não houver outra forma, em determinada ocasião. No episódio de hoje, considerando os atuais debates e questionamentos acerca de violência e letalidade policial, recebo o Juiz Federal Tiago Antunes de Aguiar, autor do livro "Ação de Legítima Defesa em Tribunais de Justiça Brasileiros", da Editora de Plácido, para uma conversa sobre os temas.
Saudando-o com as boas-vindas e agradecendo por ter aceitado ao meu convite, Dr. Tiago, peço-lhe que se apresente, por favor!
CONVIDADO 2:09
Saudações, Washington! Saudações ouvintes do Podcast Hextramuros! Meu nome é Tiago Aguiar. Sou Juiz Federal de Pernambuco desde dois mil e três, sendo membro do Comitê de Segurança da Justiça Federal de Pernambuco e membro da Comissão de Segurança do Tribunal Regional Federal da Quinta Região, atuando sempre em várias criminais, seja competência, normalmente, competência mista, criminal e outras competências federais, além de sempre ter tido interesse em arma de fogo. Desde dois mil e seis, sou atirador esportivo e, há dez anos, sou instrutor de tiro do quadro da Justiça Federal, bem como sou instrutor de tiro credenciado na Polícia Federal há três anos.
ANFITRIÃO 2:58
Como surgiu a inspiração para abordar o tema da ação de legítima defesa em tribunais brasileiros?
CONVIDADO 3:07
A inspiração para abordar o tema da ação de legítima defesa nos tribunais brasileiros, com esse enfoque interdisciplinar com a balística terminal, vem justamente da constatação de um verdadeiro hiato, uma lacuna do mundo jurídico, com a ciência balística e, sobretudo, a questão da física e da medicina, considerando a Medicina Legal. Eu verifiquei, e verifico, que, grande parte dos operadores jurídicos, sejam juízes, promotores, jurados - que são pessoas do povo - por uma visão cinematográfica, tendem a acreditar que um ou dois ou três disparos de arma de fogo são suficientes, por si só, para incapacitar imediatamente o sujeito! Daí, a ideia de que mais de um ou mais do que dois disparos causariam um excesso na legítima defesa! Quando, com o aprofundamento do estudo na física, na medicina, verifica-se que é uma ilusão cinematográfica e que, de fato, o projétil de arma de fogo, de arma curta, uma pistola 40, 9 milímetros, 45-ACP, não tem o condão de derrubar, impulsionar um ser humano para trás ou mesmo, em casos excepcionais, quando o projétil atingir o tronco encefálico ou a coluna cervical, entre a C-1 e a C-3, o cidadão ser imediatamente incapacitado! Daí essa ideia: Será que em algum dos julgados ou alguns julgados no Brasil, nos tribunais de justiça, alguém tinha esse conhecimento? E, daí, veio essa inquietação!
ANFITRIÃO 4:53
De que maneira o conteúdo de sua obra dialoga com debates contemporâneos sobre segurança pública e o papel das forças policiais?
CONVIDADO 5:04
A pesquisa realizada não teve como objeto o estudo relacionado à segurança pública ou mesmo ao papel das forças policiais. É um estudo que se aplica para qualquer cidadão, qualquer pessoa, seja policial, seja cidadão, um civil, que se encontre numa situação de legítima defesa, ou seja, que haja uma agressão injusta! Então, exemplificando: alguém que ataca um cidadão com a faca, um porrete ou com arma de fogo, injustamente, seja para assaltar, seja para matar, seja para ferir, seja para estuprar e o agredido pode ser uma pessoa física qualquer ou pode ser um policial, porque o policial, também, está sujeito à legítima defesa, tem direito de exercer a legítima defesa! Ela pode ter aplicação ao policial porque o policial está mais sujeito às agressões injustas armadas e tem arma de fogo à sua disposição, normalmente, para reagir e exercer sua ação de legítima defesa!
A pesquisa pode dar um enfoque à questão da força policial, porque, ao se trazer a questão científica da física e da medicina a partir da ciência balística, sobretudo a balística terminal, de que um único tiro de arma de fogo não é suficiente, por si só, para incapacitar neutralizar imediatamente um agressor, o policial em serviço, quando dá um, dois, três, quatro, cinco tiros no agressor, ele não está automaticamente em excesso. Enquanto houver injusta agressão, enquanto o criminoso, o agressor injusto, estiver apontando nele, apontando a arma para ele, indo em direção com a faca ou enquanto houver agressão injusta, tantos disparos serão necessários para cessar a agressão! Esse, inclusive, é o limite da legítima defesa: enquanto houver injusta agressão, independentemente do número de disparos! Portanto, pode haver uma contribuição não só para as forças policiais como para qualquer cidadão que esteja no seu exercício, em casa, na rua, no exercício da legitima defesa! Interessante notar, inclusive, que nos casos pesquisados nos cinco tribunais de justiça brasileiros pesquisados, 80% dos casos foram agressões de civil contra civil e, apenas, 20% dos casos - são conteúdos aleatórios, são pesquisas, durante dez anos, de dois mil e dez a dois mil e vinte - apenas 20% dos casos os agredidos foram policiais, guarda municipal, inclusive um juiz de direito! A pesquisa ganha, inclusive, legitimidade científica, porque ela serve para qualquer um, seja policial, seja não-policial que esteja no exercício da ação de legítima defesa. E, a partir disso, pode haver um ganho na discussão da segurança pública, no papel de legitimar o exercício regular dos policiais em legítima defesa.
ANFITRIÃO 8:16
Em sua visão, como a ciência contribui para quebrar pré-concepções na abordagem jurídica?
CONVIDADO 8:25
Essa pergunta é a parte nevrálgica da questão! Eu não acredito em má fé de juízes e promotores ou, mesmo, no júri - dos jurados, apesar de que a gente vê, percebe mais, talvez, o meu objeto - o objeto do meu estudo e que eu posso falar - o objeto de meu estudo foram os julgadores. Foram juízes, foram desembargadores, tribunais de justiça! E eu não percebo uma má fé! Eu não acredito que, quando um magistrado atribui a um policial ou a um cidadão comum - 80% dos dados das pesquisas foram cidadãos comuns que foram agredidos por faca, arma de fogo ou objeto contundente! - eu não acredito que os desembargadores estejam de má fé ao colocar que há um excesso quando o agredido, injustamente agredido, dá mais de um tiro, mais de dois tiros para se defender! Eu acho que seja ignorância, realmente, da ciência balística! E aí, a ciência da balística terminal e a balística terminal diz, exatamente, o comportamento dos projéteis de arma de fogo no alvo. E quando esse alvo é humano, é a ciência balística dos ferimentos. E aí a gente vê duas questões práticas, e bem práticas, falando de forma bem prática do meu livro aqui! Sintetizando, porque o livro detalha bem isso! Então, dando um exemplo, um indivíduo de 70 quilos que recebe um tiro de ponto 40 ACP, ele é deslocado para trás, ele tem uma velocidade final após o impacto de cerca de cinco centímetros por segundo. Cinco centímetros por segundo é, mais ou menos, o comprimento de um dedão! Ou seja, o cidadão, costumo dizer, dá "sambadinha" - sempre, costumo brincar - não dá nem para "dar uma sambadinha", quanto mais, para derrubar! Então, fisicamente, é impossível uma munição que só tem dez gramas, 20 gramas, impulsionar um indivíduo de 70 quilos, por mais que ela vá numa velocidade de 255 metros por segundo! Isso se coloca com a fórmula da quantidade de movimento - no meu livro eu coloco - e eu coloco, também, vídeos ilustrativos abordando pelo Perito Barros, colega nosso, que colocou no YouTube para que as pessoas verifiquem, e isso precisa ser colocado em júri! Se você demonstrar esses vídeos de peritos executando esses testes balísticos, não se derruba! É uma lenda! Uma lenda cinematográfica! É muito bonito no cinema, o cidadão levar um tiro e voar três, quatro, cinco passos para trás! Um zumbi no "Walking Dead" levar um tiro de 12 e voar três metros para trás. Mas, fisicamente, isso é impossível! Não se derruba uma pessoa com um tiro de arma curta ou, mesmo, com tiro de fuzil! O mecanismo de incapacitação é o mecanismo de lesão! Vai haver hemorragia, vai haver quebra de ossos e, dependendo da parte do corpo, pode haver o desligamentos do sistema nervoso central. Então, veja como a ciência, como medicina e como a física podem contribuir para isso aí, para quebrar esse paradigma! Porque é um paradigma preconceituoso de origem cinematográfica! Quantas pessoas assistem filmes de Hollywood e veem essas pessoas serem arremessadas para trás e a gente acha que isso é verdade, mas não é! Isso é impossível do ponto de vista físico! E, do ponto de vista médico-legal, você pode receber vários tiros, inclusive de fuzil 556 e 762! Tem um caso clássico que a gente traz no livro, do cidadão que leva 11 tiros, lá na Pensilvânia, em dois mil e seis. Ele leva 11 tiros de fuzil 556 e oito de ponto 40 e ele combate por três minutos e meio! Está filmado, tem debriefing do FBI. E eu tenho um caso prático, que eu trago, de um julgamento em São Paulo, de um guarda municipal que deu quatro tiros em um elemento e três tiros em outro cidadão e os dois sobreviveram. Um levou quatro tiros, outro levou três! E esse dado, inclusive, o guarda municipal estava sendo julgado por excesso! Tinha sido absolvido pelo júri e o tribunal mandou voltar o caso. Anulou o julgamento, dizendo que houve excesso, porque ele deu quatro tiros em um e três em outro. Então, assim a gente verifica que a ciência pode contribuir e muito, porque se chega para o desembargador: "desembargador; veja o que a medicina diz"! "Desembargador; veja o que é que a ciência física diz"! Trazer isso com imagens, trazer isso com testes balísticos, quebra, dá para se quebrar esse paradigma! Com certeza, é uma coisa extremamente importante e fundamental que, inclusive, é uma das justificativas, se não uma das maiores, justificativas desse trabalho! Esse é meu pensamento!
ANFITRIÃO:De que modo a análise de elementos fisiológicos, psicológicos e dados físicos contribui para a compreensão da legítima defesa?
CONVIDADO:Essa pergunta, eu vou responder dando o conceito de incapacitação balística. É um conceito que vem da ciência, da balística terminal, da balística dos ferimentos, a balística das lesões. A incapacidade balística é, exatamente, qual o poder incapacitante que um projeto de arma de fogo tem em incapacitar o ser humano. Incapacitação balística. E aí, primeiramente, fatores psicológicos: estatisticamente - a doutrina americana é muito rica nisso - você verifica que, hoje, você vê vídeo no YouTube de toda quantidade de embates, de encontros armados! A grande parte dos encontros armados, o cidadão leva tiro, o criminoso leva tiro e ele desiste por motivo psicológico. Ele leva tiro de ponto 40, de nove milímetros, enfim, e ele está vivo! E ele tem condições de pegar a arma. Ele tem condições de atirar! Mas, o tiro provoca o quê? Dor! Ele vê sangue! Então, por motivos psicológicos, ele desiste de lutar. Fisiologicamente, o criminoso tem condições de combater. Ele tem condições de continuar atirando, mas, ele desiste, joga a arma no chão, pede socorro, pede apoio. Por que? Porque está sentindo dor! Porque ele está vendo sangue. Porque ele desistiu. Porque é o "mindset" dele, a mente dele, desistiu! Então, grande parte, inclusive, várias vezes, o que acontece é que esse pessoal sobrevive. Muita gente leva tiro e sobrevive! Dependendo do caso concreto, pode sobreviver ou não. Mas, muita gente sobrevive, inclusive! Então, a questão psicológica é essa; a dor é muito pessoal. Cada um tem sua dor, um grau de dor! O cidadão, às vezes está sob efeito de droga e ele não sente dor. Então, a incapacidade psicológica do cidadão coberto de cocaína e de crack é menor. Mas o cidadão comum - eu nunca levei tiro - mas, deve doer! E, principalmente quando você percebe que levou tiro, porque, às vezes, ainda a adrenalina está alta. Depois, a adrenalina baixou e você vê o tiro. Então, grande parte das vezes, o camarada tem condição de combater, mas desiste, onde tem a incapacitação psicológica! E a incapacitação fisiológica? A incapacitação fisiológica é o seguinte: você pode ser lampião, você pode ser o cangaceiro quando dá a incapacitação fisiológica, você pode estar cheio de crack, você não combate mais! É quando seu corpo apaga! Quando é que seu corpo apaga? Quando é que você desmaia ou quando é que você não tem, mais, condição de mexer seus membros, suas mãos e você não pode mais atirar em ninguém? Bom, o primeiro mecanismo mais comum é a hemorragia! Então você leva tiro! leva um, leva dois, leva três tiros. Então você pode estourar uma aorta, você pode estourar a femural, você pode estourar vasos calibrosos e você vai sangrar. Quando você sangrar e perder determinada quantidade de sangue do seu corpo, você pode entrar em choque hipovolêmico e você desmaia. Mas isso pode demorar o quê? Segundos! 20 segundos, 30 segundos, 40 segundos! Pode demorar minutos, horas, dependendo do corpo, dependendo da lesão. Depende de onde pegou o projétil. Então, como você está na troca de tiros e você atira no outro, a incapacidade por hemorragia ou por choque hipovolêmico pode demorar um tempo. Por exemplo, qual das hemorragias que acontecem também? Coração! Um tiro no coração, em média - inclusive, a gente tem vários casos e eu trago no livro - o cidadão, que está incluido em casos de necrópsia de suicidas - estourou o coração com um tiro de 12! O camarada tem de 10 a 15 minutos de oxigênio residual no cérebro. O que quer dizer isso? O coração não está mais bombeando o sangue, mas ele ainda tem 10 a 15 segundos de oxigênio! Ele tem de 10 a 15 segundos de sobrevida, de consciência. Com 10 a 15 segundos, ele pode ainda dar 40 tiros na outra pessoa. Então, veja como a questão do combate é relativo! E qual é a incapacidade fisiológica desejada, mas muito difícil de acertar, um tiro de precisão, de difícil acerto? É um tiro, exatamente, no tronco encefálico, dentro da cabeça. Você consegue atingir com um projétil, um tiro, mais ou menos, fica um pouco abaixo dos ouvidos, no centro do crânio, o mecanismo do tronco encefálico, que faz a comunicação entre o cérebro e o restante do corpo. O tronco encefálico é formado pelo mesencéfalo, pelo bulbo raquidiano e a ponte. Se você consegue atirar ali, desliga o cara! Só que é muito difícil atirar ali, acertar alí, principalmente com arma curta! E o outro local, se você conseguir dar um tiro na medula cervical do cidadão entre a C-1 e a C-3, você consegue deixar o cara sem movimentação dos braços. Então, esses dois tiros; na medula cervical, entre a C-1 e C-3, medula espinhal e, um tiro no tronco encefálico, dentro da cabeça, são extremamente difíceis! Então, tiro que você recebe no dorso, você vai ter segundos de vida. Então, veja como isso é importante! Significa o seguinte: enquanto o camarada tiver do outro lado, com a faca ou com o revólver, com a pistola apontada para mim ou atirando para mim, eu tenho que atirar nele; uma, duas, três, quatro, cinco, seis, dez vezes! Porque, enquanto ele não largar a arma, enquanto não cessar a agressão, por incapacidade psicológica, ou enquanto ele não largar uma arma porque eu consegui atingir o tronco encefálico dele, ou enquanto ele não largar a arma, porque depois de 15 segundos ele teve choque hipovolêmico, ele vai estar atirando em mim! Então, isso é fundamental! E aí, disso daqui, você começa a perceber que com o apoio da medicina você não pode colocar de forma objetiva o número de disparos como número limite da legítima defesa! Cada caso concreto tem que ser tratado diferentemente. Cada caso concreto! Pode ser num caso em que o cara receba só um tiro e largue a arma e acabou. Se você der o segundo é excesso! E pode ser um cara que você dê cinco, seis tiros. Os dois casos que eu citei, o cara levou 11 tiros de fuzil 556. Nenhum desses tiros pegou nem na cabeça, nem no coração, pulmão, pâncreas, estômago, perna. Tem o laudo da necropsia dele lá. E ele ficou combatendo por três minutos e meio. Ele só caiu porque um dos tiros quebrou a perna dele, embaixo, o calcanhar. Ele caiu no chão. Quando ele caiu, não conseguiu mais atirar. O pessoal rendeu ele. Veja o caso concreto: o cara cheio de droga! Então, é fundamental analisar o caso concreto e, a questão dos elementos fisiológicos e psicológicos, são fundamentais!
ANFITRIÃO:Como o conhecimento interdisciplinar pode impactar a interpretação normativa da ação de legítima defesa?
CONVIDADO:Essa pergunta ela vai complementando anterior. Se o julgador, o desembargador, o juiz, se o promotor tem esse conhecimento de física e medicina legal, se ele entende o que é conceito de incapacitação balística, se ele entende o conceito de que não existe essa lenda de stopping power, com um único tiro, derrubar a pessoa que stopping power tem que ser interpretado como uma coisa mais técnica, não como essa coisa de dar um tiro ou dois tiros e o cara cair, que não existe! O cidadão sabendo que para neutralizar o injusto agressor vai depender de onde um disparo pega, de quantidade de segundos e minutos de hemorragia que ele tem, o local da incapacitação, isso, vai facilitar para que ele tenha interpretação da legítima defesa, chegue ao conceito de moderação da legítima defesa, independentemente do número de disparos! Esse é o grande desafio! O intérprete conhecendo a medicina e a física, a balística dos ferimentos, ele vai dar a interpretação de que não existe número de disparo, de forma objetiva, para a ação defensiva! Enquanto houver agressão injusta, você vai disparar, porque um projeto de arma de fogo não é mágico. Não existem projéteis mágicos! Um único projétil que incapacita imediatamente é o projétil no centro da cabeça ou na medula espinhal, C-1 e C-3, que é muito difícil! Tirando este tiro "mágico", que este tiro não é mágico, ele é real, na verdade, ele não é mágico! Porque esse vai, realmente, desligar o cidadão. Tiro no tronco encefálico ou tiro na C-1 e C-3. Tirando esse tiro, não é um tiro no peito, nem no coração, que vai incapacitar imediatamente! A gente viu que tiro no coração, o camarada tem 15 segundos ainda de sobrevida. Pode dar 40 tiros de volta!
ANFITRIÃO:Qual a relação entre a proposta de refundação na interpretação normativa e a necessidade de adaptar as leis às mudanças sociais?
CONVIDADO:Essa ideia de refundação da interpretação normativa, passa por essa ideia de dar luz à ignorância, no sentido de ignorância científica. A ciência é responsável por isso. A ciência dar luz às trevas. Então, a ciência, a física e a medicina podem trazer ao intérprete essa ideia de que não existem limites objetivos de quantidade de disparos na reação defensiva. Então, me parece que a lei nem precisa ser alterada. O artigo do Código Penal é muito claro! O artigo do Código Penal fala aquilo que a Alemanha fala, toda a literatura alemã fala - que é a grande literatura responsável pelo direito penal europeu e brasileiro - nós bebemos do direito alemão! Nosso código e nossas teorias. Nós seguimos o direito alemão, que é um grande direito no ponto de vista do direito penal! E seguimos! A lei já traz! Eu acredito que, na verdade, o que precisa haver uma mudança nos operadores, na atitude dos juízes, dos promotores e dos jurados e, para isso, a gente precisa que esse conhecimento chegue a eles. Chegue de forma científica. Chegue em um ensaio balístico do colega. Chegue pelos advogados. Chegue pelos policiais. Chegue pela Academia! Eu acho que esse é o grande papel da Academia, muitas vezes! A Academia tem que sair! Ela tem que ir para o prático! A pesquisa empírica que foi feita nos tribunais, ela traz muito isso! A pesquisa empírica vem para relacionar o teórico com os fatos e a universidade tem que estar em sintonia com isso, com a realidade!
ANFITRIÃO:Quais são os principais desafios na aplicação prática da teoria da incapacitação balística nos tribunais brasileiros e como analisas a relevância do conceito de incapacitação balística no contexto atual das discussões sobre letalidade policial?
CONVIDADO:O principal desafio na aplicação prática da teoria da incapacitação balística me parece que ainda seja a questão da televisão. Então, semanalmente, diariamente, todos nós, inclusive desembargadores, juízes, promotores, assistem filmes, assistem novelas, onde o cidadão recebe um tiro, é arremessado três, quatro, cinco metros atrás. Hoje, comtemporaneamente, a moda é filme de zumbi! O zumbi leva um tiro de 12 e é arremessado para trás. A gente vê que um tiro de 12, em média, o cidadão é para ser deslocado na velocidade de 25 centímetros por segundo para trás. Também, não cai! Um tiro de 12 não derruba! Um tiro de 12 machuca! Entra, quebra osso, perfura! Mesmo o tiro de fuzil; entra, capota dentro. Capotar é: entra dentro do corpo e começa a capotar, dentro, até 90 graus! Gosto de deixar bem claro, para não dizer que está capotando no ar. O projétil não capota no ar! Então, existem um mecanismos de lesões, mas, a lesão ela vai causar hemorragia, vai quebrar osso, vai perfurar artérias, vasos, vai causar hemorragia, mas, não impulsionará ninguém para trás! Não existe um mecanismo de impulsionar, diferentemente de você jogar um saco de cimento de 40 quilos para o camarada segurar! A televisão ainda traz isso! Quantas vezes a gente viu, ou as pessoas no dia a dia viram uma pessoa no meio da rua levar um tiro, levar um tiro real? Bem que, muitas vezes, um camarada leva um tiro num cruzamento e corre três quarteirões para cair no terceiro quarteirão por hemorragia. Baixa a pressão do cara, o cara perde sangue e ele desmaia. Quantas vezes a gente vê isso em vídeo do YouTube, reais! A gente vê, quem for realmente prestar atenção! Mas o desafio ainda é esse que, realmente, a televisão traz essa ideia! E também, eu acredito que a ciência tem que quebrar os paradigmas, porque a gente não pode partir da ideologia. Tem que quebrar ideologias! E ideologias para qualquer lado! A gente tem que partir pra ciência. Vamos ver a questão da física! Vamos ver a quantidade de movimentos! Embora, ver a questão do órgão, do vaso! Embora ver a questão do que é o sistema nervoso central! Como é que se comunica o sistema nervoso central com seus membros superiores e inferiores. Isso é discussão científica e isso quebra paradigma! O desafio ainda é esse. O desafio é trazer isso de uma certa forma. E aí, eu acho que hoje são os meios da comunicação social. Esse HEXTRAMUROS ajuda! Mais, Instagram, redes sociais, porque nem todo mundo compra livro, né? Mas, se um livro, esses artigos chegassem para o desembargador, chegassem para os juristas, se eles vissem os ensaios balísticos por um profissional habilitado, que é um perito oficial, para que começassem a acreditar nisso e começar a não se julgar dessa forma. Infelizmente, grande parte dos julgados que a gente viu, existe esse mito que, mais do que dois ou mais do que um disparo, é um excesso da legítima defesa. Ainda que o cara está sendo agredido por uma arma de fogo, por uma faca. Em relação ao contexto atual das discussões sobre letalidade policial, eu acredito que, uma vez reconhecido o direito de legitima defesa ao policial na situação do caso concreto, que ele tenha dado três, quatro, cinco tiros e o camarada manteve a agressão, ele estava em legítima defesa! Então, quando o indivíduo está em legitima defesa, seja ele cidadão civil, seja ele policial, não há que se falar em letalidade, em crime! Letalidade, sim, morte. Mas não há crime! Eu critico muito essa classificação de algumas secretarias de segurança pública - aqui em Pernambuco eu vejo isso, inclusive - não sei se em todas são assim, em classificar como crime letal intencional contra a vida qualquer morte! O cara pega a morte lá e bota como crime letal intencional contra a vida. Mas, "pera aí"! E se foi em legítima defesa? Se foi legítima defesa não é crime letal intencional contra a vida! Não é crime! Então, a estatística de letalidade policial tem que levar em consideração isso. Se o crime é cometido em legítima defesa - o cidadão deu três, quatro, cinco tiros - é legitima defesa, não há letalidade policial! Ah, mas morreu muita gente! Infelizmente, vamos ter que trabalhar para evitar isso, para evitar que haja criminalidade, que se não houver criminalidade, vai haver menos morte também! Ninguém, eu acho quer a letalidade, pelo menos em sã consciência, mas se a letalidade, ou seja, a morte, foi causada em legítima defesa, ela não pode ser considerada crime. Então, essa discussão que eu acho que é importante que seja trazida!
ANFITRIÃO:Como a interação entre ciência e direito pode contribuir para aprimorar a legislação sobre legítima defesa no Brasil?
CONVIDADO:Não foi objeto da minha dissertação, mas eu trago no capítulo um, trago à baila, um pouco, a questão da legítima defesa exculpante, que é a questão de você verificar casos concretos em que haja uma mudança na situação anímica do agredido e que não não haja crime por exclusão da culpabilidade. No direito brasileiro, a gente tem, por exemplo, no Código Penal Militar, as Forças Armadas - Exército, Marinha e Aeronáutica - se o militar comete um homicídio, no caso concreto, vê-se claramente que ele estava sujeito a uma situação de pertubação, medo ou susto, se exclui a culpabilidade! Um fato jurídico para ser considerado crime, ele tem que ser um fato típico - está previsto em lei - matar alguém, então, ele matou alguém; ele tem que ser antijurídico, ou seja, ele não foi cometido por nenhuma das excludentes: legítima defesa estado necessidade, exercício regular do direito, enfim, e outros tanto que existem, mas não é o caso, e culpabilidade; tem que ser um fato culpável! Se, nesse caso concreto o cidadão está com perturbação, medo ou susto, se diz muito que, nesse caso, não é um fato culpável. É o que se chama de legítima defesa exculpante. Tem um caso muito concreto que aconteceu uma vez, aqui em Pernambuco, em Recife, que foi uma moça que, durante a saída da faculdade para pegar o carro no estacionamento, foi abordada por um camarada com um revólver e começou a ser estuprada no estacionamento. Quando esse cidadão baixou um pouco a guarda, já estava, inclusive, me parece que ela já tinha sido estuprada, se iniciado os atos libidinosos, ela consegue pegar o revólver do cidadão e ela dá os cinco disparos no cidadão! Podia-se dizer: "não, mas era só precisava dar um ou só precisava dar dois, ou só precisava dar três"! O estado anímico, estado de pertubação, medo e susto de uma pessoa que está sendo estuprada, por exemplo, ou uma pessoa, mesmo, que está em um confronto armado. É muita adrenalina, muito problema na sua cabeça, se controla! Então, se fala muito isso, que às vezes se você só dá dois e o cara larga a arma e você dá o terceiro, seria uma legitima defesa exculpante. Isso está previsto, por exemplo...se tentou colocar isso, por exemplo, em dois mil e dezenove, quando houve o pacote anticrime, nessa última reforma do Processo Penal. Mas não passou! Se disse que era um absurdo, que ia aumentar a letalidade policial, etc. Mas, veja, isso hoje, já existe na Alemanha, existe na Espanha e existe em Portugal! Sempre existiu nos códigos deles, pelo menos, desde o Século XIX. Então, querer dizer que incorporar isso no nosso direito brasileiro, na legítima defesa exculpante, quando o cidadão está numa situação que se chama astênica,você está sob uma pressão muito grande, que você acaba indo um pouco além do que é necessário para parar a agressão, se fala da legítima defesa exculpante, que não haveria crime. Então, há que se levar essa parte da ciência, da psicologia, dos efeitos anímicos, da percepção. E se estuda muito na "Behavioural Science", na ciência comportamental, que o cidadão, com efeito de estresse, demora muito para perceber o fim da ameaça. Então, por exemplo, se alguém está apontando arma para você e atirando em você e você está atirando de volta, se fala muito que, demora de 2 a 3 segundos para você perceber que o cara largou a arma, por exemplo. Veja; de 2 a 3 segundos para você perceber que o cara largou a arma, você deu mais um ou dois disparos nele! E dizer que você deu mais um ou dois disparos nele, porque ele largou a faca, porque a câmera mostrou isso! A gente não pode tratar os fatos concretos pegando uma câmera e mostrando:"Eita! Ele tinha largado a arma e ele deu mais um tiro"! Veja, o grau de percepção do organismo, que é um grau de percepção - a psicologia fala isso - tem uns artigos interessantíssimos, do Forsight Search Center, da Universidade de Minnesota. Eu cito alguns no meu trabalho. Não é objeto do meu trabalho, mas eu cito um pouco, que fala exatamente isso! É uma questão de sobrevivência. Por que é que o corpo demora um pouco mais para perceber que a ameaça cessou? Porque você está em grau de alerta e você precisa estar ligado! E para o corpo é importante que você esteja ligado. E na hora do estado de sobrevivência, grande parte das suas situações de percepção sensoriais são afetadas. Porque se fala muito que você perde visão periférica, cria visão de túnel. Isso existe. A psicologia mostra isso! Então, a gente tem que tratar a legítima defesa nos encontros armados, sob essa perspectiva. Na questão norte americana, se trata isso há muito tempo! E o Supremo já adotou a legítima defesa exculpante em julgados. Existem julgados falando sobre legítima defesa exculpante, apesar dela não estar na legislação. Se fala que é uma causa supra legal de exclusão da culpabilidade. Mas era importante, sim, que ela estivesse na lei, apesar de estar previsto em algumas decisões do Supremo. Então, acho que também a psicologia, a "behaviour science" tem muito para contribuir para o aprimoramento da nossa legislação e, é fundamental! Acho que essa mudança, como já existe na Alemanha, como já existe na Espanha, a gente precisa ter aqui! A legítima defesa exculpante é uma coisa muito clássica e perceptível por qualquer cidadão, da situação diferenciada do indivíduo quando ele está no instinto de sobrevivência dele.
ANFITRIÃO:Honoráveis Ouvintes, trazidos os preciosos esclarecimentos iniciais por meio das respostas do nosso ilustre entrevistado, neste momento, faremos uma pausa e na próxima semana, em sequência convido-os a acompanharem a conclusão desta fascinante conversa. Acesse www.hextramurospodcast.com! Saiba mais sobre este conteúdo e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!