Na sequência da Série "Questões Raciais na Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil", neste conteúdo, converso com Hugo B. Albergaria, autor do artigo "Cidadania, Sociologia e Direito - Uma Análise de Padrões Diferenciados em Processos de Homicídio Doloso", que analisa como as estruturas sociais e econômicas afetam o acesso à justiça penal e, por conseguinte, à cidadania no Brasil.
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ANFITRIÃO 0:14
Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! Na sequência da Série "Questões Raciais na Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil", no conteúdo de hoje, converso com Hugo Albergaria, autor do artigo "Cidadania, Sociologia e Direito - Uma Análise de Padrões Diferenciados em Processos de Homicídio Doloso", o qual analisa como as estruturas
sociais e econômicas afetam o acesso à justiça penal e, por conseguinte, a cidadania no Brasil, focando na relação entre status sócioeconômico e processos de homicídio doloso na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, entre dois mil e quinze e dois mil e dezesseis. Tal estudo, disponível no link de pesquisa em nosso website, constata a perpetuação das desigualdades sociais de indivíduos historicamente marginalizados, especialmente daqueles pertencentes às camadas socioeconômicas mais vulneráveis.
Professor; saudando-o com as minhas boas-vindas e agradecendo a sua colaboração, peço que se apresente e, em seguida, nos conte quais foram os principais fatores que o motivaram a conduzir esta pesquisa sobre processos de homicídios dolosos:
CONVIDADO 2:08
Olá Washington! Muito obrigado pelo convite! Muito obrigado pela oportunidade de participar de seu podcast! É uma honra para mim! Meu nome é Hugo, eu sou formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advoguei por aproximadamente três anos em diferentes áreas do Direito, sobretudo o Direito Civil Contratual. Também, atuei na área criminal. Fiz o mestrado em Ciências Sociais, também na PUC Minas, sob orientação do Professor -brilhante!- André Junqueira Caetano.
Quando eu finalizei o meu mestrado em Ciências Sociais, eu me mudei para os Estados Unidos, onde eu moro hoje. Eu fiz aqui um mestrado em História. Estou fazendo um terceiro e último mestrado em administração Pública na Northwestern University.
Sou Gerente de Auditoria em Compliance na Comissão de Eleições do Estado da Carolina do Sul e já tenho alguns anos aí no estado da Carolina do Sul. Eu diria que a principal motivação para conduzir a pesquisa foi a busca por compreender como as desigualdades sociais se refletem no sistema de justiça penal brasileiro, especialmente no contexto dos crimes mais graves, como o homicídio doloso. No Brasil, a história de exclusão social, racial e econômica tem sido longa, persistente e, o Judiciário, como instituição fundamental para garantir a cidadania plena, deveria agir para mitigar essas desigualdades. No entanto, há uma tendência de perpetuar esses padrões, algo que a minha pesquisa buscou evidenciar. A escolha de Belo Horizonte para o estudo se deu pela representatividade da sua população e pela disponibilidade de processos arquivados. Claro, eu estava, também, ali na PUC Minas, em Belo Horizonte, o que facilitou a minha pesquisa naquela cidade. O que mais me chamou a atenção foi a possibilidade de investigar como variáveis como raça, escolaridade e tipo de defesa influenciam os desfechos judiciais e como essas variáveis podem estar associadas ao status sócioeconômico dos réus, afetando diretamente a condição de cidadania e o acesso à justiça.
ANFITRIÃO 5:07
Você pode sintetizar sobre a metodologia utilizada na análise desses processos e quais variáveis específicas você considerou ao aplicar os modelos estatísticos na sua pesquisa?
CONVIDADO 5:23
A metodologia da pesquisa foi essencialmente quantitativa. Envolveu a análise de 303 processos de homicídio doloso arquivados entre dois mil e quinze e dois mil e dezesseis na Secretaria do Tribunal do Júri da Comarca de Belo Horizonte. Eu utilizei modelos estatísticos, especificamente, Regressão Linear e Logística, para examinar as variáveis que poderiam influenciar os resultados desses processos. Algumas das principais variáveis que eu considerei foram a raça, cor do réu, nível de escolaridade, tipo de defesa, se advogado particular ou defensor público, ocupação - formal ou informal-, se houve a presença de qualificadores no crime. A variável dependente, ou seja, o resultado final que eu estava investigando, incluía a decisão judicial -condenação ou absolvição, do regime de cumprimento de pena e se houve ou não prisão preventiva durante o curso do processo. Cada uma dessas variáveis foi tratada de forma a identificar possíveis padrões de desigualdade que, eu chamo, na pesquisa, de "padrões de diferenciação", que poderiam ser estatisticamente relevantes. Então, um dos desafios metodológicos que eu encontrei foi garantir a precisão da análise das variáveis sócio econômicas! Não foi possível identificar, através das informações obtidas nos autos processuais, a classe social do indivíduo. Então, eu utilizo o termo status sócioeconômico para aproximar o indivíduo de uma classe social.
ANFITRIÃO 7:16
Qual é a sua interpretação sobre os resultados em relação ao número de casos que resultaram em prisões preventivas decretadas?
CONVIDADO 7:28
Os resultados mostraram que 76% dos réus responderam ao processo com a prisão preventiva decretada, o que é um índice muito alto! Significa que, na maioria dos casos, as pessoas foram privadas de sua liberdade antes de qualquer condenação definitiva, o que contraria, no meu ponto de vista, o princípio constitucional da presunção de inocência! Eu entendo que existem critérios legais para aplicação da prisão preventiva, mas isso deveria ser a exceção e não a regra. Em um país com profundas desigualdades sociais e raciais, essa prática de encarceramento preventivo massivo levanta algumas preocupações sérias. No contexto da pesquisa, observamos que as chances de um réu pobre e de cor preta ou parda ser preso preventivamente eram significativamente maiores! Isso reflete um viés que perpetua a marginalização de certos grupos sociais, sugerindo que o Judiciário tende a tratar de forma mais punitiva aqueles que já são socialmente vulneráveis! Então, esses dados também nos fazem refletir sobre a eficiência do sistema penal, sobre a necessidade de políticas que busquem alternativas à prisão preventiva, especialmente em casos onde não há ameaça real à segurança pública.
ANFITRIÃO 9:05
De acordo com a sua pesquisa, indivíduos de raça ou cor preta têm dez vezes mais chance de serem presos preventivamente do que indivíduos de raça ou cor branca. Quais as implicações sociais e jurídicas desta constatação?
CONVIDADO 9:27
As implicações sociais dessa constatação são imensas! É uma verdadeira tragédia social! Os resultados dessa pesquisa refletem uma tragédia social! O racismo estrutural no Brasil é uma realidade bem documentada e o sistema de justiça penal parece ser uma das instituições onde se manifesta de maneira mais evidente! Quando indivíduos de raça - cor preta têm dez vezes mais chances de serem presos preventivamente em relação ao indivíduo de raça - cor branca, isso reforça uma exclusão social que começa muito antes do crime em si e que continua a marginalizar esses indivíduos durante todo o processo judicial! Socialmente, essas práticas consolidam a imagem do indivíduo negro como potencial criminoso. Eu me lembro das considerações de Misse! A sujeição criminal! O sujeito em potencial! Isso impacta diretamente as oportunidades de mercado de trabalho, sua integração social, o seu próprio senso de pertencimento à sociedade, o pertencimento como um pressuposto fundamental, essencial para a condição de cidadania plena! Juridicamente, essa prática fere o princípio da igualdade perante a lei previsto na Constituição Federal. É claro que cada processo judicial tem as suas nuances! Os juízes tomam as decisões
judiciais, a princípio, fundamentadas com base na individualidade de cada processo, mas, a seletividade penal observada na pesquisa contribui para a manutenção de um ciclo de pobreza, de exclusão, dificultando o acesso dessas pessoas à condição de cidadania plena! E levanta, também, questionamentos em relação à imparcialidade do Poder Judiciário!
ANFITRIÃO:A pesquisa conclui, também, que réus economicamente mais vulneráveis tendem a receber penas mais severas. Quais são os possíveis motivos para essa tendência no Judiciário?
CONVIDADO:A gente percebe que essa tendência em penalizar mais severamente réus economicamente mais vulneráveis
acontece em diferentes fases do processo, seja de decretação de prisão preventiva, depois, na sentença. Eu acredito que uma das razões principais para essa tendência está na qualidade da defesa! Indivíduos economicamente vulneráveis, em sua maioria, dependem da defesa oferecida pelos defensores públicos, que muitas vezes estão sobrecarregados, com poucos recursos para dedicar o tempo e atenção necessários a cada caso! Eu tive a oportunidade de fazer estágio na Defensoria Pública de Minas Gerais e, me deparei, lá, com defensores públicos extremamente capacitados, preparados, mas sobrecarregados! Então, embora os defensores públicos façam um trabalho fundamental, a alta demanda sobre eles limita sua atuação. E eu acredito que isso pode influenciar diretamente o desfecho dos casos. Cito alguns estudos na pesquisa que revelam esse problema. Além disso, o próprio sistema judicial tende a penalizar mais severamente aqueles que já estão em situação de vulnerabilidade, refletindo essa estrutura de desigualdades que permeia a sociedade como um todo! Outro ponto relevante é que a condição econômica do réu influencia sua capacidade de apresentar provas de sua inocência. Então, existem inúmeros fatores que contribuem para essa tendência do Judiciário.
ANFITRIÃO:Como a atuação da magistratura e a defesa por advogados particulares versus defensores públicos influenciaram os resultados dos processos?
CONVIDADO:Estatisticamente a pesquisa revelou que os réus representados por defensores públicos tinham uma chance significativamente maior de serem presos preventivamente e de receberem sentenças mais severas em comparação com aqueles que foram defendidos por advogados particulares. Então, a defesa feito por advogados particulares, muitas vezes, proporciona uma abordagem mais robusta, com estratégias que nem sempre estão disponíveis ou sendo trabalhadas pela Defensoria Pública. Eu repito, insisto, não por falta de competência dos defensores públicos, mas pela sobrecarga, falta de tempo mesmo e sobrecarga de trabalho! Advogados particulares podem dedicar mais tempo para contestar evidências, apresentar recursos, construir uma defesa mais detalhada, personalizada. Essa diferença no acesso à Justiça reflete diretamente nas disparidades observadas nos resultados dos processos. Destaca-se aí a importância de uma reforma no próprio sistema da Defensoria Pública! Deve-se buscar por uma maior equidade no tratamento judicial, independentemente da condição econômica do réu! O resultado da pesquisa aponta também para uma necessidade de reforma da própria Defensoria Pública!
ANFITRIÃO:A citação de Florestan Fernandes em seu artigo, destaca a persistência das desigualdades e do racismo estrutural no Brasil. Como os estudos dele influenciaram sua pesquisa?
CONVIDADO:Florestan Fernandes Foi uma grande referência para mim ao longo dessa pesquisa! Seus estudos sobre exclusão social, racismo estrutural no Brasil são fundamentais para entender como as desigualdades sociais, as desigualdades raciais estão enraizadas na sociedade brasileira! Ele argumenta que, mesmo após a abolição da escravidão, a população negra permaneceu em uma posição de desvantagem social e econômica, marginalizada, excluída dos benefícios da cidadania que é o fio condutor da minha pesquisa.
Essa exclusão é visível no sistema de justiça penal, onde os negros são desproporcionalmente presos, condenados e submetidos a penas mais severas. Então, a influência de Florestan Fernandes está presente na análise de como o sistema judicial brasileiro reproduz essas desigualdades, muitas vezes de forma arbitrária e com consequências devastadoras para a população negra e pobre do país! Um outro aspecto fundamental para a utilização das contribuições do Florestan Fernandes foi a possibilidade de se criar uma continuidade histórica, um argumento de que essas práticas de exclusão social elas iniciaram lá no período colonial e se refletem hoje na nossa sociedade contemporânea. Essa continuidade histórica só foi possível de se estabelecer através da análise de Florestan Fernandes e outros autores que eu cito na pesquisa. Tentei ao máximo não incorrer em anacronismos históricos -o maior pavor de qualquer historiador!- Então, tentei ao máximo fazer essas conexões para que os argumentos apresentados fossem válidos, historicamente falando.
ANFITRIÃO:Dr. Hugo, caminhando para o final de nossa conversa, repriso os meus agradecimentos pela sua preciosa colaboração e deixo este espaço para suas considerações finais. Grande abraço!
CONVIDADO:Muito obrigado, Washington. Eu que agradeço a oportunidade de participar do seu podcast! É uma honra discutir um tema tão relevante - a Justiça penal-, que deve ser um pilar para a cidadania plena e não um mecanismo que perpetua a exclusão. Espero que a nossa discussão contribua, ainda que minimamente, para mudanças, diálogos e reflexões sobre o tema. Muito obrigado!
ANFITRIÃO:Honoráveis Ouvintes! Este foi mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! Neste conteúdo, entrevistando a Hugo Albergaria, Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas, prosseguimos com a Série "Questões Raciais na Segurança Pública e Justiça Criminal do Brasil". Acesse os links de pesquisa em www.hextramurospodcast.com e saiba mais sobre este conteúdo! Inscreva-se e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!