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LETRAMENTO RACIAL COMO ESTRATÉGIA DE MUDANÇAS NOS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS.
Episode 11517th January 2025 • Hextramuros Podcast • Washington Clark dos Santos
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Shownotes

Compondo a Série "Questões Raciais na Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil", neste conteúdo converso com a policial penal federal Emanuelle Souto, Presidente do Comitê de Diversidade da SENAPPEN. Sob sua liderança, o comitê terá o papel fundamental na promoção de práticas antirracistas, tanto na implementação de políticas públicas quanto na formação de gestores mais conscientes e preparados para enfrentar os desafios impostos pelo racismo estrutural, especificamente, no âmbito dos sistemas peniteciários.

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Transcripts

Washington Clark:

Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje, na sequência da Série "Questões Raciais na Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil", recebemos a policial penal federal Emanuelle Souto, Presidente do Comitê de Diversidades da Secretaria Nacional de Políticas Penais e a primeira servidora de carreira a ocupar esse posto!

Sob sua liderança, o Comitê terá o papel fundamental na promoção de práticas antirracistas, tanto na implementação de políticas públicas, quanto na formação de gestores mais conscientes e preparados para enfrentar os desafios que o racismo estrutural impõe a toda a sociedade. Seja muito bem-vinda, Emanuele! É uma honra tê-la conosco para compartilhar sua experiência e visão sobre este tema tão relevante!

Agradecendo a sua presença, peço que conte um pouco de sua caminhada profissional e, em seguida, nos esclareça o que é o letramento racial, qual a sua finalidade e como essa prática pode impactar positivamente a sociedade brasileira, especialmente no contexto das tão presentes desigualdades raciais:

Emanuele Souto:

Agradeço o convite, Doutor Clark! É uma honra participar do Hextramuros para falar sobre um tema tão relevante! Sou Emanuele Souto, uma mulher negra, Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Durante minha formação acadêmica, eu realizei diversos estágios em órgãos públicos, mas, eu gostaria de destacar a Defensoria Pública do Distrito Federal, na Vara de Execuções Penais. Atualmente, sou policial penal federal e estou lotada na Divisão de Comunicação da Secretaria Nacional de Políticas Penais, a SENAPPEN e ocupo a função de chefe do Núcleo de Jornalismo. Tenho orgulho de ser a primeira servidora de carreira a presidir o Comitê de Diversidades da SENAPPEN!

Minha atuação na segurança pública é guiada pelo compromisso com a valorização dos direitos humanos. Essa trajetória tem me permitido enxergar com clareza a urgência de abordarmos cada vez mais a questão do racismo, e do racismo estrutural no serviço público, no sistema penitenciário e, principalmente, na sociedade como um todo!

Em relação ao letramento racial, a gente pode entendê-lo como um processo de educação e conscientização sobre as questões raciais, suas origens históricas e o impacto contínuo do racismo na vida das pessoas, especialmente aqui no Brasil, onde as desigualdades raciais são profundas e persistentes! A finalidade é capacitar os indivíduos e as instituições a reconhecerem e refletirem, para enfrentarem as estruturas que perpetuam o racismo! Isso vai além de compreender a discriminação de forma pontual! Trata-se de desenvolver uma sensibilidade crítica para perceber como o racismo influencia os hábitos, os costumes, os comportamentos, as decisões e as políticas públicas. O letramento racial é uma ferramenta poderosa para reduzir as desigualdades, pois ele atua na formação de cidadãos e gestores, torna-os mais conscientes e preparados.

Na SENAPPEN, por exemplo, a gente pretende usar essa prática para influenciar desde a gestão de recursos humanos até a implementação de políticas públicas, promovendo um ambiente mais equitativo! E esse impacto é especialmente significativo no sistema penitenciário, onde a subrepresentação de pessoas negras evidencia as desigualdades estruturais! Quando a gente conscientiza e educa, a gente está abrindo caminhos para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária! Então, esse processo beneficia não apenas os indivíduos diretamente atingidos pelo racismo, mas a sociedade como um todo e fortalece a convivência e o respeito mútuo e a democracia! Então, todos temos a ganhar!

Washington Clark:

No âmbito das instituições do sistema penitenciário brasileiro, quais seriam os principais desafios para implementar práticas de letramento racial entre os gestores e os demais profissionais?

Emanuele Souto:

Os desafios para implementar práticas de letramento racial são multifacetados, interligados a questões sociais, estruturais, culturais e institucionais. Vou destacar aqui alguns que eu considero como principais desafios:

Primeiro; é o reconhecimento da existência do racismo estrutural. Gestores e profissionais não reconhecem a existência do racismo estrutural ou o seu impacto nas dinâmicas institucionais e sociais. Esse desconhecimento ou não reconhecimento dificulta a implementação de práticas de letramento racial e a criação de um ambiente propício para a mudança, porque negar é uma forma de perpetuar a estrutura. Então, é importante reconhecer a existência para poder conseguir combater o racismo estrutural de fato!

A outra questão, outro desafio, é a falta de sensibilização e educação continuada: a ausência de programas de formação continuada -incluo questões de raça, direitos humanos e equidade- limita a conscientização dos profissionais sobre a relevância do tema! É necessário integrar esses conteúdos nas capacitações, indo além da abordagem pontual e promovendo discussões permanentes sobre o tema! Outra questão que eu acho relevante são as resistências culturais e institucionais: as instituições, muitas vezes, refletem as desigualdades e preconceitos da sociedade. Há uma resistência de parte dos gestores e profissionais em questionar práticas enraizadas, seja por medo da mudança ou por desconhecimento dos benefícios de uma abordagem mais inclusiva. Então, muitas vezes, a priorização de demandas operacionais de segurança no sistema penitenciário ofusca temas relacionados a equidade racial e de direitos humanos, que são vistos como secundários! Isso requer uma mudança de perspectiva no planejamento institucional e isso é uma questão cultural! A gente também tem a questão muito relevante que é da baixa representatividade racial: a falta de representatividade de pessoas negras ocupando cargos de liderança, ocupando espaços de fala nos espaços de decisão dentro do sistema penitenciário, reduz a diversidade de perspectivas, o que poderia enriquecer e legitimar ações voltadas ao enfrentamento do racismo, em especial o racismo estrutural! A promoção de campanhas de conscientização e sensibilização dentro das instituições também é muito importante, de forma contínua e um incentivo, mesmo, à representatividade e à diversidade nos cargos de liderança! Isso tem que ser replicado em todas as instituições! Promover o letramento racial no sistema penitenciário não é uma questão só de justiça social, mas também de melhorar as condições institucionais e isso vai fazer um impacto no sistema de reintegração social das pessoas privadas de liberdade e, consequentemente, na sociedade como um todo!

Washington Clark:

Como o Comitê de Diversidade da Secretaria Nacional de Políticas Penais contribui para promover o letramento racial, e a educação antirracista nas políticas e práticas das instituições penitenciárias?

Emanuele Souto:

O Comitê de Diversidade tem como uma de suas finalidades aumentar estratégias de promoção do letramento racial e de educação antirracista nas políticas e práticas dentro da SENAPPEN e, consequentemente, em outras instituições que atuam no sistema penitenciário nacional e estaduais. O plano de trabalho do comitê está em fase de ajuste para a implementação até o primeiro semestre de dois mil e vinte e cinco. Porém, já é possível identificar que algumas ações que foram promovidas geraram uma contribuição significativa dentro da secretaria, a exemplo das ações promovidas durante todo o mês de novembro, alusivas ao Mês da Consciência Negra.

A programação do Mês da Consciência Negra trouxe diversas atividades voltadas ao enfrentamento do racismo, cursos inovadores sobre igualdade racial no sistema penal e palestras sobre comunicação antirracista e desconstrução de práticas discriminatórias.

O Mês da Consciência Negra foi um marco histórico e demonstra o compromisso do Comitê e da Secretaria em promover o letramento racial e o combate ao racismo dentro da instituição, o que, consequentemente, será replicado por outras que atuam no sistema penitenciário.

Em relação ao plano de trabalho do comitê, temos a perspectiva de desenvolver diretrizes que promovam a equidade racial e o enfrentamento ao racismo institucional. Essas diretrizes servirão de base para nortear as práticas internas desde a gestão de pessoas até o atendimento à população carcerária. Temos a previsão de elaborar programas de formação e letramento racial direcionados aos servidores e gestores das unidades penitenciárias.

Essas capacitações visam abordar temas como racismo estrutural, diversidade e inclusão, oferecendo ferramentas para aplicação de práticas antirracistas no dia a dia institucional.

Com a implementação do plano de trabalho, o comitê estabelecerá mecanismos para monitorar e avaliar o impacto das ações realizadas, garantindo que as iniciativas de letramento racial e educação antirracista sejam continuadas e efetivas. Está em processo de criação, também, eventos e campanhas de conscientização voltados à discussão de temas relacionados ao racismo e à diversidade. Esses espaços são essenciais para fomentar uma cultura de respeito e aprendizado coletivo. Um dos eixos prioritários do comitê é a promoção da diversidade nos espaços de tomada de decisão, estimulando a participação de profissionais negros e de outros grupos subrepresentados em cargos de liderança e em funções estratégicas. Ao incorporar o letramento racial e a educação antirracista como componentes estruturais, o Comitê de Diversidade da SENAPPEN busca transformar as instituições penitenciárias em espaços mais justos e inclusivos. Além de contribuir para a reeducação das desigualdades raciais, essas ações fortalecem o cumprimento da função social e humanitária do sistema prisional, alinhando-as às melhores práticas em direitos humanos.

Embora ainda esteja em fase inicial de implementação, as ações planejadas pelo comitê têm o potencial de construir uma cultura institucional baseada na equidade e no respeito à diversidade, beneficiando não apenas os profissionais do sistema penitenciário, mas também as pessoas privadas de liberdade, os egressos do sistema prisional e a sociedade como um todo, ou seja, todos temos a ganhar com essas ações!

Washington Clark:

Quais estratégias podem ser adotadas para capacitar gestores do sistema prisional de forma mais eficaz visando o enfrentamento do racismo estrutural?

Emanuele Souto:

Capacitar gestores do sistema prisional para o enfrentamento do racismo estrutural exige estratégias abrangentes que integrem formação, conscientização e transformação cultural. Destaco algumas estratégias que podem ser adotadas para tornar esse processo mais eficaz.

A primeira delas é a incorporação de conteúdo antirracista nos programas de formação: incluir o tema do racismo estrutural como módulo obrigatório em programas de formação inicial e continuada para gestores, abordando conteúdos como desigualdade racial, interseccionalidade e direitos humanos. Outra coisa importante é fazer estudos de caso: é utilizar exemplos práticos de como o racismo impacta a gestão penitenciária para estimular a reflexão e promover soluções aplicáveis no cotidiano. É importante também sensibilizar e conscientizar os gestores, promover "workshops" e palestras, eventos educativos com especialistas em racismo estrutural e diversidade para sensibilizar os gestores sobre a importância do tema. Promover campanhas internas, desenvolver materiais informativos e campanhas de conscientização que abordem o impacto do racismo no sistema prisional e a necessidade de promover mudanças. Formar lideranças diversificadas, também, é muito importante!

A promoção de representatividade, incentivar a ascensão de lideranças negras e de outros grupos subrepresentados a cargos de gestão para garantir uma abordagem mais inclusiva nas decisões institucionais! Fazer mentorias e desenvolver talentos. Criar programas de mentorias para gestores que promovam uma compreensão mais profunda dessas questões raciais. Mapear as desigualdades -utilizar dados desagregados por raça, gênero-, identificar essas desigualdades internas, tanto entre servidores quanto na população carcerária. Estabelecer métricas para avaliar o avanço das políticas antirracistas implementadas por essas lideranças. Integrar com políticas públicas e redes de apoio -parcerias interinstitucionais. Trabalhar em conjunto com outros órgãos públicos e organizações da sociedade civil que atuam na promoção da equidade racial. A participação em fóruns e redes envolvendo esses gestores nesse debate, nessas redes de apoio que tratam nesse enfrentamento ao racismo estrutural.

Criar, também, espaços de diálogo e escuta, promover os grupos de discussão, rodas de conversa, encontros regulares entre gestores e servidores, compartilhar experiências, propor soluções. Importante também fazer o acolhimento de denúncias, estabelecer canais seguros e eficazes para essas denúncias! Tratar os casos de discriminação racial no ambiente de trabalho. Ter um foco nesse resultado, nessas transformações culturais! Tem que estar fazendo essa integração dessas ações antirracistas nos planos estratégicos das unidades prisionais! Promover uma cultura organizacional que valorize a diversidade e enfrente o preconceito em todas as formas! Promover os cursos online e híbridos para disseminar os conteúdos sobre racismo estrutural, alcançando os gestores de todos os estados para que isso seja realmente incorporado de forma maciça. E tem que ser rotineira, que tem que ser permanente! Uma abordagem multidimensional e que vai levar bastante tempo para ser efetivada e implementada de forma que tenha resultados que sejam realmente perceptíveis!

Washington Clark:

Os números trazidos pelo Levantamento de Informações Penitenciárias, CISDEPEN, apontam que o racismo estrutural afeta profundamente a população carcerária, majoritariamente composta por pessoas negras. De que maneira a incorporação do letramento racial pode ajudar a mitigar os impactos dessa realidade e promover maior justiça social dentro do sistema prisional?

Emanuele Souto:

A incorporação do letramento racial no sistema prisional é uma ferramenta poderosa para mitigar os impactos do racismo estrutural que afeta a população carcerária. O letramento racial capacita pessoas, entre elas, gestores e servidores do sistema penitenciário a identificar como o racismo estrutural perpetua desigualdades dentro e fora do sistema prisional.

Essa conscientização é o primeiro passo para a desconstrução de práticas discriminatórias, sejam elas explícitas ou veladas. Ao incorporar o letramento racial, as práticas institucionais passam a ser analisadas e ajustadas para eliminar vieses raciais, resultando em redução de discriminações nos atendimentos, por exemplo. Isso assegura um tratamento igualitário aos indivíduos privados de liberdade e seus familiares, independentemente de sua raça e condição social. Também, assegura procedimentos disciplinares, classificações e concessões de benefícios com critérios mais justos, para evitar disparidades raciais e sociais. A educação antirracista promove uma abordagem mais empática e humanizada, reconhecendo as especificidades culturais e sociais das pessoas negras encarceradas. Isso favorece também a criação de espaços de diálogos respeitosos, a valorização da identidade racial e cultural, promovendo autoestima e dignidade entre os internos. Ao enfrentar o racismo estrutural, o sistema prisional pode oferecer condições mais justas para que as pessoas encarceradas tenham acesso à educação de qualidade por projetos educacionais que valorizem a história e a cultura negra, ajudando na formação crítica dos internos. A incorporação do letramento racial contribui para a transformação da cultura organizacional no sistema prisional, promovendo uma visão que valoriza a diversidade e combate preconceitos e estigmas associados à população negra como um todo.

Washington Clark:

De que forma o Comitê de Diversidade da Senapem pretende engajar a totalidade de servidores e colaboradores no compromisso político e ético com práticas antirracistas no sistema penitenciário?

Emanuele Souto:

O Comitê de Diversidade adota uma estratégia que envolve ações integradas com a conscientização e participação ativa entre seus membros, demais servidores e colaboradores da SENAPPEN, com o intuito de promover uma efetiva ação institucional. Algumas das principais iniciativas incluem a promoção de campanhas institucionais regulares para a conscientização dos servidores sobre o impacto do racismo estrutural e a importância das práticas antirracistas, como, por exemplo, o Mês da Consciência Negra. Construir uma identidade institucional que reconheça a pluralidade como um valor essencial. O Comitê de Diversidade da SENAPPEN busca criar um movimento integrado onde servidores e colaboradores se tornem agentes de transformação por meio de educação, diálogo, engajamento e políticas claras! O comitê pretende consolidar um compromisso coletivo e contínuo com práticas antirracistas, promovendo uma cultura organizacional mais equilibrada e justa para todos!

Washington Clark:

Chegando ao final de nossa conversa, repriso os meus agradecimentos pela sua participação, Emanuelle! Deixo este espaço para suas considerações finais. Muito sucesso na sua missão!

Emanuele Souto:

Agradeço a oportunidade de compartilhar minhas reflexões e as ações que o Comitê de Diversidade da SENAPPEN! Este é um trabalho inovador, árduo e perene, que demonstra o compromisso de todos os membros do comitê, dos gestores e demais servidores para juntos, construirmos um ambiente institucional mais inclusivo e igualitário. Em virtude do racismo estrutural, as pessoas negras são associadas à marginalidade, à pobreza e aos subempregos. É muito importante que esse estigma seja desconstruído! O processo de letramento racial está intimamente ligado a essa desconstrução. As pessoas negras precisam ocupar espaços de fala e de liderança para romperem esses paradigmas!

Reforço que o Comitê de Diversidade da SENAPPEN segue empenhado em transformar desafios em oportunidades de aprendizado e crescimento profissional e pessoal, sempre com o objetivo de impactar positivamente a sociedade como um todo! Estamos nessa caminhada e seguimos à disposição para somar esforços na construção de um futuro mais justo! Muito obrigada por esta oportunidade de fala, Doutor Clark. Até a próxima!

Washington Clark:

Honoráveis Ouvintes! Este foi mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje, compondo a Série "Questões Raciais na Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil", conversei com a policial penal federal Emanuele Souto, a primeira profissional de carreira a ocupar o posto, na SENAPPEN, de Presidente do Comitê de Diversidade. Acesse nosso website e saiba mais sobre este conteúdo nos links de pesquisa. Inscreva-se e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!

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